Deve haver uma alternativa no caso da sucessão de João Bénard da Costa como presidente do Museu do Cinema. Entre os defensores do legado indesmentível que consideram o cargo vitalício (uma licença especial) como se de uma fundação privada se tratasse, e os comentadores menos certeiros da atitude conservadora de Bénard da Costa, devemos avaliar a função do Museu do Cinema em Portugal. Para lá dos dogmas criados à volta do cinema, com determinados realizadores acima de qualquer crítica criando amizades e ódios eternos, encontramos na Cinemateca uma escola viva de história do cinema e não um expositor caquéctico de filmes a preto e branco. Como não louvar a iniciativa (se bem que casual) de acompanhar ao piano clássicos como La Passion de Jeanne D’Arc, por exemplo?
Espaço sem comparação em Lisboa, a Cinemateca alia restauro, conservação e divulgação da arte cinematográfica (as edições podiam ser modernizadas), contributos fundamentais para a definição de um gosto crítico do cinema.
Espaço sem comparação em Lisboa, a Cinemateca alia restauro, conservação e divulgação da arte cinematográfica (as edições podiam ser modernizadas), contributos fundamentais para a definição de um gosto crítico do cinema.
Mas, antes de mais, é preciso ver e compreender quase tudo, dos clássicos às vanguardas, para se entender, então, que não há lugar para todos. Como qualquer museu, também a Cinemateca possui um depósito que excede em quantidade (esperemos que não em qualidade) o que é trazido a público. É uma situação intransponível porque depende, em parte, das decisões de quem dirige. É certo que muito Raoul Walsh e Max Ophüls passam na cinemateca, em detrimento, por exemplo, do cinema asiático (salvo excepções como Ozu e Kurosawa). Mas, de Lisboa, Crónica Anedótica a Recordações da Casa Amarela, de Fort Apache a Crash , de Lost Highway a Pierrot, le fou , de Deep Throat a Letter from an Unknown Woman, muitos têm lugar nesta casa que, dizem alguns, é conservadora e fossilizada.
Se tudo pode ser visto, nem todos têm lugar: enquanto museu, e não cineclube, cabe-lhe seleccionar e avaliar numa perspectiva meta-histórica. Aproximamo-nos do consenso quando abandonamos o dogma cinematográfico. Mas, para lá do próprio dogma museográfico, o que resta do Museu do Cinema?
[Susana Viegas]
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