Ao ler o texto de Eduardo Pitta sobre o novo livro de Manuel da Silva Ramos, "Ambulância" (Dom Quixote), hoje no Mil Folhas, recordei outros textos que por vezes, quando Deus está distraído, aparecem na imprensa generalista sobre estes autores esquecidos da literatura portuguesa. A minha experiência profissional tem mostrado à exaustão que as vendas e o favor crítico de uma obra pouco ou nada têm a ver com o mérito de quem a escreve; existe apenas o escritor que, ou se presta ao estupro do marketing, ou se esquiva ao circo montado pelas editoras para promover um livro. Vemos de tudo, desde stand-ups da altura do escritor assustando os eventuais visitantes até visitas esbaforidas do autor em busca da obrazinha editada, e não penso apenas no estreante com ânsias de satisfazer o seu ego; os consagrados também perguntam pelo livrinho da ordem. Compreensível, de resto, que assim aconteça. Mas isto é a maioria, e eu queria falar da minoria. Como Manuel da Silva Ramos, ou o seu companheiro de escrita Alface, ou ainda João Camilo, ou Rentes de Carvalho, ou Jorge Sousa Braga, e podia falar aqui de mais uns quantos (Armando Silva Carvalho) que passam ao lado das luzes, seja da crítica ou do público, e que correm o risco do esquecimento mais ou menos prolongado, com um ou outro prémio de final de carreira à mistura - outro sinal bem português de valorizar os vultos que aqui nascem, a condecoraçãozita anunciando o iminente ocaso. Quase todos os nomes que refiro são - e Eduardo Pitta bem o nota no seu artigo - de escritores que estão ou estiveram a viver fora da pátria, exilados por força das circunstâncias ou por vontade própria, não interessa; o que importa são as razões desta ausência forçada, para além das aludidas acima. Como tem tentado mostrar à exaustão João Pedro George (e louve-se o esforço, apesar da falsa ingenuidade de quem não vê que o "amiguismo" denunciado é uma teia de que dificilmente se escapa; uma das soluções: emigrar), a crítica e o circuito comercial funcionam como uma rede de influências, em que amigos elogiam amigos, editoras compram críticas em revistas e jornais porque estes dependem das primeiras para se manterem em funcionamento, em que grupos convergem de início por interesses mútuos e acabam por degenerar em confrarias onde "menino não entra", e não estou apenas a falar do suplemento literário do Expresso. Reentrar na corrente é difícil, quanto mais se acumulam os anos passados fora menos hipóteses se tem de obter reconhecimento em tempo útil. Mas, como tão bem sabe quem realmente tem algo de fundamental a dizer, não é o escritor que pode aspirar à ansiada posteridade; apenas a obra. E nenhum golpe de marketing pode salvar um mau escritor do esquecimento futuro. A vingança é um prato que se serve frio.
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