15/04/06

Tempo desencontrado

Perdão pela vénia desmesurada que a transcrição da totalidade do texto denota, mas gostava de ver isto publicado aqui, no meu blogue:

Fanfarronice

Eram fanfarrões e a gente sabia-o, mas mesmo assim sentíamo-nos acanhados, ficava a pairar a dúvida de que talvez possuíssem algo que dramaticamente faltava à nossa juventude.
Porque para nós a erecção era um momento frágil, sempre à mercê de qualquer faux pas ou palavra dita a despropósito e que infalivelmente a reduzia a zero. Para eles, não: as suas erecções eram brutamente férreas, as cópulas duravam a noite inteira, os dedos das mãos não chegavam para contar as amantes que tinham, as putas que visitavam, as mulheres casadas que andavam a “preparar”.

***

Estamos num café e ela fala da sua recente visita a Veneza e à Côte d’Azur; da alegria que o Midi sempre lhe causa, da bonomia daquela vida que parece ter o dinheiro e o dolce far niente como principais ingredientes; da sorte que teve ao descobrir lá um pintor genial que dentro em breve irá expor na sua galeria.
Sorrio, bebo lentamente a minha cerveja. Solteira, bem na vida, deve andar perto dos quarenta anos e é atraente porque sabe compensar com charme o que lhe falta de beleza. A nossa conversa chega a um ponto morto e começo a pensar em despedir-me quando ela dispara à queima-roupa: — Este mês já fui para a cama com nove amantes. Brancos, pretos, um malaio, um indiano do Kénia.
Não vejo razão para comentar e ela acrescenta: — E duas mulheres.
Depois conta em detalhe das suas aventuras, das sensações, das técnicas que tem aprendido, de como os asiáticos são mestres no erotismo e capazes de prolongar o prazer horas a fio.
— Horas?
Mais tarde, repensando enquanto espero o eléctrico, vem-me de súbito a recordação longínqua e digo comigo que o mundo mudou, as mulheres mudaram, a fanfarronice tornou-se bissexual.


J. Rentes de Carvalho

Na mouche.

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