29/09/06

Livro

Imaginemos: um livro muda de aparência duplamente; quando desligamos as luzes de casa e lhe apontamos directamente uma lanterna a partir de várias posições; quando pegamos nele e o seguramos contra a lanterna, estando esta fixa a um ponto qualquer no espaço.
A mancha de luz vai cobrindo e descobrindo. Num momento, a penumbra alastra sobre o título, antes visível. Deixamos de identificar o livro, esquecemos. Agora olhamos para a contracapa, um parágrafo elogiando o admirável feito do escritor. Letras a negrito, uma frase destacada mais abaixo: "O leitor aceitará este convite com segundas (e terceiras) intenções?" A sombra volta a mudar de lugar, a lombada: letras douradas, um título apenas, um artigo definido, um substantivo e um adjectivo. O último atribui ao segundo um valor temerário, o primeiro restringe o sentido do conjunto dos outros dois. A luz desloca-se lentamente, abrimos o livro, a primeira página em branco, a ficha técnica, novamente o título, por baixo o autor, a data. Saltam rapidamente as folhas e entramos na obra.
Saímos da obra muitos dias, muitas semanas, muitos meses depois. E anos mais tarde o livro volta às nossas mãos. A capa foi-se gastando, os cantos estão dobrados e as rugas que o papel ganhou são impossíveis de disfarçar. Por dentro, o corpo cedeu sem regresso; o papel amarelo diluiu a nitidez dos caracteres, a cinza do lápis foi engolida pelas frases que sublinhava em tempos. O nomes estão lá ainda: o título, o autor. Mas a vida que lá repousa é outra, uma que teima em colocar-se do outro lado da porta que tentamos em vão abrir em sonhos. A vida de agora resguarda-se no alpendre de entrada e ajuda os visitantes a entrar em casa. Hoje, entramos, e a luz que incide está fixa e mudamos a posição do livro na sala, à procura do ângulo certo, das coordenadas exactas onde situar as letras. Da história que conhecíamos, lemos vestígios, sombras. Mas reparamos em palavras onde a luz nunca tinha entrado. A mão que segura a lanterna é um tentáculo de um monstro desconhecido.

[Sérgio Lavos]

Construções

O problema dele é que construía casas como um poeta e poemas como um arquitecto.
Quando se dedicava à sua profissão habitual, tinha um método: sentava-se ao estirador e deixava que os materiais de escrita fossem conduzidos pela regras da imprevisibilidade. O resultado final era quase sempre um projecto tão desmesuradamente lírico que nenhum alicerce, por mais fundo que entrasse na terra, poderia sustentar os pilares e as paredes que iriam perfazer o edifício. Quase sempre também, ele decidia supervisionar a concretização do projecto no terreno, o que tornava o caos ainda mais insolúvel.
Por outro lado, os poemas que escrevia obedeciam a regras rígidas, definidas pelas linhas rigorosas de uma esquadria mágica e invisível. Eram fabricações tão intricadas e perfeitas que dir-se-ia terem surgido de uma única rocha, como se fossem esculturas e não conjuntos de palavras e silêncios. Quando alguém arriscava a voz na leitura do poema, a frieza da escala retirava-lhe a aparente força. Onde as metáforas deveriam enfraquecer, ganhavam brilho. O engenho das imagens era tão poderoso que a realidade acabava por ser uma pálida imitação daquilo que a imitava. E isso destruía-o como poeta.
Nunca foi reconhecido em nenhum dos ofícios, mas persistiu; as forças que todos os dias reunia não foram suficientes para que desistisse das suas duas vidas. Se habituasse o corpo à dolência da falibilidade, poderia com facilidade enlouquecer. E esta fatalidade, como se sabe, é sempre privilégio dos poetas. Coisa que ele nunca iria conseguir ser.

[Sérgio Lavos]

28/09/06

Ordem

Nunca ninguém ouviu dizer que Dioniso tenha começado a beber cedo. Antes do meio-dia, dormia. Descansava da noite de excessos, suspendia a frenética alegria que o movia.
(Permitam-me que fale no passado. Os deuses antigos, julgo que me perdoam a tendência para o ultrapassado saudosismo.)
Quando o Sol se aproximava do seu zénite, acordava. A noite de folguedos clamava a uma distância mínima, os preparativos obrigavam-no ao esforço inútil do trabalho.
Quando um homem começa a beber antes do meio-dia, trai a memória de Dioniso. O gosto do vinho não ganhou corpo, tem a mesma densidade que uma névoa fina de verão. Há todavia quem ceda a este destino de tolos, quem nunca verdadeiramente consiga saborear o verdadeiro néctar divino - porque recusa a companhia da noite e dos amigos.
A noite, o caos, a ânsia controlada, palavras tacteando o terreno ao longo do serão, conversas ensaiadas e retomadas e tomadas, bebidas por fim e deglutidas, entornadas e balbuciadas até que reste apenas um conjunto desconexo de sons e sopros, tão próximo do sentido primordial das coisas.
Mas nunca ninguém viu Dioniso beber antes do meio do dia.

[Sérgio Lavos]

27/09/06

Traições

...o caminho errado que tomámos... um verso de um poema que encontrei por um acaso perdido a meio de uma frase de um romance de Enrique Vila-Matas. Perdi-lhe o rasto há uns anos, quando ainda encontrava alguma utilidade em duas actividades que hoje em dia se tornaram obsoletas: a pesca de almas a partir de prédios altos e a escrita feérica de poemas. O gajo não me conheceu. Fingiu não me conhecer, o sacana. Sabem como é, quando encontramos um amigo há muito desaparecido e ele imita na perfeição um perfeito desconhecido. Não se pode censurar esta atitude. É que se torna difícil conciliar dois tempos. Imagine-se: o passado e o presente podem ser por vezes como duas peças de roupa de cores contrastantes. Ninguém gosta de parecer mal quando veste o fato domingueiro. Ainda assim, censurei-o na intimidade. Enfim, o verso ignorou-me ostensivamente, como um daqueles fulanos que se pavoneiam nus no meio de um evento desportivo. Perguntam: poder-se-á ser ostensivo na ignorância? Há exemplos diariamente observados, trabalho de campo que se deve levar a sério. A ignorância é exibicionista. Não há qualquer dúvida neste ponto. Seja como for, virou-me as costas achando que eu ia dar de barato aquela tão evidente traição. Pôs-me os cornos com um escritor famoso, ou pelo menos não prosseguiu uma conduta leal: quando eu o criei, esperava dele o mínimo de respeito. Insuflei-lhe vida. Tornei-o verbo no mundo. É pouco? O suficiente para que sacasse de uma caneta assassina e riscasse o verso do livro de Enrique Vila-Matas. Contudo, há traições que são difíceis de apagar.

[Sérgio Lavos]

Intersecções

O escritor que mais se aproxima da verdade é aquele que prefere esquecer a escrita. Será necessário colocar a questão? Porquê? Susan Sontag achava que os escritores que assim procedem são movidos por um instinto que acaba por ser criativo. No seu silêncio, cumprem a obra. As palavras de Blanchot, circulares, respondem ao apelo de Sontag: "A essência da literatura é o desaparecimento". Será então a criação uma desistência activa, uma recusa metafísica, um gesto que simula a ausência de gesto, o não-gesto. A constatação desta verdade é aterradora. Um silêncio que questiona directamente os que ainda não se calaram. A perturbação que a personagem de Melville, Bartleby, provoca na superfície estagnada do mundo é imprevisível. "Prefiro não o fazer". A história desliza então para um final aberto, para sempre perdida nas mãos do leitor.

[Sérgio Lavos]

26/09/06

Jeff Buckley

Há casos de versões que conseguem ser superiores ao original. No caso de "Hallelujah", de Leonard Cohen, revista tantas vezes por outros (ver aqui mais covers), é um milagre que isso suceda. Vou fugir, no entanto, ao lugar-comum das associações religiosas que se costumam aplicar à singularidade Jeff Buckley. O álbum "Grace" é um conjunto perfeito produzido por alguém que parecia desafiar as regras conhecidas da beleza. A voz, a guitarra variando entre sons quase calados e o estertor violento de inspiração Led Zeppelin, o amor contado em histórias mal resolvidas, daquelas que têm como única hipótese de redenção a solidão absoluta. Em vez de continuar a escrever, deixo durante algum tempo a tocar a tal versão fantasmagórica. Uma música que prova o poder da música - o tal acorde secreto de que fala a letra.
Nunca as palavras de Leonard Cohen foram tão bem cantadas - e apenas temos de aceitar estas ironias da vida.

I've heard there was a secret chord
That David played, and it pleased the Lord
But you don't really care for music, do you?
It goes like this
The fourth, the fifth
The minor fall, the major lift
The baffled king composing Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah

Your faith was strong but you needed proof
You saw her bathing on the roof
Her beauty and the moonlight overthrew you
She tied you, to a kitchen chair
She broke your throne, and she cut your hair
And from your lips she drew the Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah

Maybe I've been here before
I know this room, I've walked this floor
I used to live alone before I knew you
I've seen your flagg on the marblearch
Love is not a victorymarch
It's a cold and it's a broken Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah

It was a time you let me know
What's really going on below
But now you never show it to me do you?
And remember when I moved in you
The holy dark was moving to
And every breath we drew is Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah

Maybe there's a God above
And all I've really learned from love
Was to shoot at someone who outdrew you
It's not a cry you can here at night
It's not somebody who's seen the light
It's a cold and it's a broken Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah

[Sérgio Lavos]

25/09/06

Ligações

Parabéns à Alexandra no terceiro aniversário de um dos meus blogues de sempre: Seta Despedida. Até já a um dos que se tornaram de leitura diária obrigatória, o blogue Porque, do insuperavelmente generoso André. E um sorriso sardónico por mais um sobressalto n'A Memória Inventada, de Vasco Barreto - porque eu sei que ele volta.

[Sérgio Lavos]

23/09/06

O lixo dos outros

Hoje é o único dia da semana em que não compro o Público. Não era assim, mas passou a ser, quando o suplemento Mil Folhas começou a fazer companhia ao Y, numa jogada descarada de concorrência com o suplemento misto (literatura e música) 6ª, do DN. Agora, compro os dois jornais às sextas e tenho várias horas de leitura pela frente, mas a dispersão agrada-me porque concentra as actividades que tenho a cumprir em cada um dos dias. Ao Sábado, leio o DN, jornal que continuo a achar que está uns furos abaixo do Público, se nos cingirmos ao caderno principal, apenas porque a revista NS tem o interesse extra de ler as crónicas de Pedro Mexia (um ano são sete em vida de blogue, parabéns), as de António Sousa Homem que, diga-se de passagem, ainda não confirmei ser quem me dizem ser (não é importante, de resto; a qualidade da escrita, mesmo que ficcionada, basta-me), e, finalmente, os apontamentos futebolísticos de Joel Neto.
Interessa-me falar de Joel Neto porque ele é dos poucos, em Portugal, a escrever com estilo sobre bola. Parece que é também romancista, mas não conheço. Mas seria suficiente lê-lo, e ao seu humor deslocado, tentando fugir a cada frase aos clichés do jargão futebolístico. (Luís Freitas Lobo, revelado ao grande público durante o Mundial, é diferente: fala de futebol como ninguém, como um técnico com paixão e com uma cultura inatacável sobre o assunto; mas não tenta ser literário - não deve ser essa a sua intenção). Na semana passada, julgo, questionava Joel Neto, em curta nota, o silêncio dos jornais desportivos em relação ao processo do "Apito Dourado". Por que razão não eram manchete nos jornais especializados todas as revelações sobre escutas e afins que têm sido publicadas nos jornais generalistas. Não passa de uma pergunta, mas José Diogo Quintela desvenda no blogue Gato Fedorento um pouco mais da mancha. Arrepiante. A confissão do director do Record é das coisas mais baixas que tenho lido nos últimos tempos. É claro que temos a opção de simplesmente não ler jornais desportivos. Mas será que é normal um director admitir que não revela cachas jornalísticas (a que ele chama "lixo dos tribunais") por razões tão transparentemente vergonhosas como sejam a defesa da actividade que alimenta essa espécie de jornais que nada têm de jornalístico? Será que os jornalistas que se recusam a divulgar notícias negativas sobre os clubes e dirigentes por razões de protecção da mão que os alimenta podem manter a sua carteira profissional, continuarem a ser considerados jornalistas? A qualidade de escrita nestes jornais piorou de forma decisiva nos últimos anos. O patriotismo saloio é enjoativo, a clubite aguda repugnante. Quando Alexandre Pais admite que o sistema inclui os jonais desportivos, sabemos que dificilmente haverá mudanças no futebol que temos em Portugal. A corrupção é institucional, e o quinto poder demitiu-se das suas funções. Um carnaval de misérias.

[Sérgio Lavos]

Pacifismo

João Miguel Tavares, no DN, parece que descobriu o rastilho perdido. Diz ele que os analistas erraram na sua previsão de que a rua áraba iria explodir novamente, após as palavras de Bento XVI, em consequência da aliança indirecta que o Vaticano tem mantido com a causa islâmica. Compara a posição pacifista do Sumo Pontífice com a posição que a esquerda tem mantido ao longo dos anos. Talvez sem que se tenha apercebido, João Miguel Tavares desvendou os meandros do pensamento desta direita que range os dentes em defesa do choque das civilizações (é ele que refere isto). E escrevi bem, defesa do choque das civilizações; não estou a falar de uma hipotética e publicitada defesa dos nossos valores culturais. Porque os nossos valores culturais não passam pela agressividade aberta em relação a uma religião e à sua cultura, não passam por um militarismo acéfalo e de índole fascista, não passam pela constante generalização que se faz em relação aos países islâmicos. A direita que acirradamente defende um progressivo afastamento entre dois mundos, a hostilização aberta do outro, nunca poderia entender as palavras da maior parte dos líderes islâmicos, sejam religiosos ou políticos, apaziguando os protestos iniciais da "rua islâmica" (aceitamos esta abstracção idiota?). Não interessa saber que as manifestações que continuam a acontecer são politicamente manipuladas e representam apenas uma minoria da população nos países onde têm surgido. Uma boa opinião não precisa da realidade para ser verdadeira.
A defesa do diálogo entre culturas, apesar de desprezada por alguma direita, que se apressou a colocar todos estes "bons sentimentos" no saco do horroroso "politicamento correcto", continua a ser, imagine-se, uma atitude eticamente intocável. E, veja-se lá, é a única via que leva à harmonia e ao fim de qualquer conflito cultural ou religioso. Mas, como já percebi pelo acumular de provas nesse sentido, não é esse o objectivo final dos que defendem com unhas e dentes a tese do "choque de civilizações". A paz? Intervalo entre duas guerras.

[Sérgio Lavos]

A geração que saltou

Há, na geração a que eu, talvez de modo absurdamente relutante, pertenço, um gosto por coisas que nada têm a ver com os anos de crescimento, os decepcionantes anos 90. Essa geração – que, repito, é uma completa abstracção, resultado de várias asserções que podem, ou não, estar correctas, da minha parte em relação ao grupo de pessoas que entra agora – ou anda lá perto – na casa dos 30. Essa geração, dizia, prefere refugiar-se numa década que não é a sua. Os anos 80. A música é uma das principais marcas desta fuga para um passado que nunca existiu. O revivalismo – única componente verdadeiramente original da música produzida nos últimos 10 anos – alimenta-se das bandas que cresceram e morreram nessa década maldita e nos anos imediatamente anteriores. Tempo mítico (tão bem retratado por Brett Easton Ellis no seu romance “O Psicopata Americano”), que conseguia criar no espírito burguês alimentado pelo crescimento económico acelerado uma ilusão de rebeldia sem substância, desencantada e folclórica, que passava pela construção de uma imagem distante da essência que imitava. Isto é verdade para quase todas as correntes da década de 80: desde a última estirpe de punks até aos neo-românticos, passando pelos urbano-depressivos que degeneraram em clubbers alienados pelas novas drogas sintéticas – penso em Manchester e nas vagas de bandas e seus respectivos criadores, claro. Nada era verdadeiramente genuíno – talvez apenas a melancolia e o arrojo formal das roupas e das composições musicais.

Os anos 90 trouxeram a depressão depois da euforia. Nasceram com o grunge, corrente de saudosistas do punk em conluio com o baladismo de singer-songwriters como Neil Young, que levavam demasiado a sério o seu papel de estrelas rock provisórias – Kurt Cobain nem se apercebeu da ironia de tudo. A música de dança electrónica culminava numa supernova que estilhaçou a cultura de clube que surgira dez anos antes – o apogeu das raves ganhou contornos de decadência com o novo poder dos fundamentalistas dos tempos modernos: a diversão passou a ser vista não como sinal de rebeldia, mas sim de declínio dos valores ocidentais. (Como se o Império Romano não tivesse sobrevivido à custa dos hábitos desregrados da elite dirigente). Nesses anos, os grupos purificaram-se: havia quem gostasse só de metal, os que gostavam apenas de grunge, os ravers, os hip-hoppers (em Portugal poucos), os góticos e essa grande mancha indistinta que orgulhosamente se chamava a si própria de “alternativa”. Não interessava a metade que faltava na designação. Alternativa a quê? Era o estilo, acima de tudo.

Mas chegamos a esta década, e as diferenças esbatem-se. A electrónica contamina o rock, a pop mais estimulante vende milhões – Gorillaz, Outkast e Gnarls Barkley, por exemplo. Nada é original, não há nenhum novo género musical – como houve o trip-hop e o drum’n’bass antes – ou se há não passa de um logro, vende-se gato por lebre, vestindo-se com roupas novas sons que existem há muito (grime, o que é isso?) Vivemos mergulhados no cruzamento de referências e influências. Tudo é pós-qualquer coisa e deixa de o ser ao segundo ou, vá lá, terceiro álbum. Se as canções não existem, se os músicos não conseguem construir um som próprio a partir da arca de referências onde vão buscar inspiração, nada feito; na música pop, tudo tende para o desaparecimento. E isto não é necessariamente mau.

Esquecemos os anos 90. Movemo-nos ao som de bandas que bebem nas décadas anteriores, com especial insistência na década que há uns anos atrás todos amaldiçoavam. Saudades de um passado que não existiu.


Adenda: Esta entrada, ao contrário do que eu pretendia, não menciona nem os Loto, portugueses que acabaram de lançar o seu segundo álbum, no qual participa Peter Hook – sabem quem ele é – nem das possíveis razões da fuga para a frente da geração a que pertenço. Definitivamente, será que ainda posso continuar a achar que sou eu que controlo as palavras que escrevo? (Escrito depois de ter visto um decepcionante Alberto Pimenta - de quem admiro muita coisa há muito tempo – a ser entrevistado por Paula Moura Pinheiro no Câmara Clara, na :2. A mão como instrumento da palavra... o sexo como instrumento do amor... preciso de dizer mais?).

[Sérgio Lavos]

21/09/06

K.

Está tudo muito bonito, sim senhor, mas a verdade é que basta pegar num livro qualquer de Kafka para que todas as ideias - belas, erradas e tão cómodas - que temos sobre Deus e os anjos e a metafísica (não confundir com patafísica) venham por aí baixo, a toda a brida, num imparável carreiro de auto-destruição. Entre-se n'O Castelo, por exemplo. Não se pode, dir-se-á. Certo, não podemos. K. nunca chega a entrar. K. anda por ali, enterrado em neve a maior parte do tempo, servindo de bola de pingue-pongue entre cidadãos ciosos do seu lugar na hierarquia da aldeia. Entramos no livro, e já K. lá está, com um objectivo muito preciso: entrar no Castelo. Note-se, ele nunca deixa de ter uma ideia fixa, uma meta viável, um destino perfeitamente definido. E luta, esbraceja, pergunta, desdenha do rigor obstruso, investe temeroso contra a implacável máquina repressiva da burocracia existencial. Entra e sai de casa, caminha, aguarda os senhores do Castelo, escreve cartas, envia mensagens, ouve reprimendas, irrita-se com a passividade de toda a gente. Mas não entra. Caramba, não entra!
Kafka escrevia sabendo que nunca poderia parar de escrever. Escrevia e escrevia sem fim à vista, sem a palavra "fim" à vista, a obra de Kafka é um conjunto de fragmentos inacabados que se repetem na sua natureza. E a forma que as histórias fragmentadas tomam imitam o carácter dos próprios escritos. As personagens sabem que nunca irão conseguir transcender a infinita impotência que exibem. Se isto não nos diz nada acerca de Deus, não sei o que possa dizer.

[Sérgio Lavos]

20/09/06

Evolucionismo

Não sei ao certo qual o interesse que uma questão tão importante como o debate evolucionismo/criacionismo desperta em não-especialistas. Se não desperta, devia fazê-lo, ainda que a maior parte dos textos, quando aprofundam os temas no jargão dos cientistas, se tornem difíceis de acompanhar para o leitor leigo. Há, no entanto, blogues que estão a fazer um esforço de combate que tem de ser louvado, contra o obscurantismo que pretende colocar em pé de igualdade a teoria científica e a treta esotérica. Entre estes destaca-se Vasco Barreto e o seu Cabinet, assim como Ludwig Krippahl no blogue Que Treta!.
A questão é esta: a Ciência anda há 150 anos a aprimorar uma teoria que, quando surgiu, mudou completamente a visão que o Homem tinha do mundo e de si próprio. A teoria não era o resultado de um esforço da Razão, mas sim a soma de anos de investigação e de aplicação do método empírico por parte de Darwin, era a única conclusão possível perante a preponderância de indícios - registos fósseis, observação de campo, etc. - que tinham aparecido. Quatrocentos anos depois da revolução operada por Copérnico, o Homem era uma vez mais recentrado e fixava-se definitivamente no mundo. Ficámos mais sozinhos, mais distantes de Deus, mais seguros do nosso lugar no arco do tempo. Apesar das falhas e das lacunas por preencher, apesar das imperfeições da teoria, do debate entre evolucionistas, do caminho percorrido desde Erasmus Darwin até Stephen Jay Gould e Richard Dawkins. Não há qualquer conflito entre Ciência e Religião. E apenas se pode compreender o esforço de alguns ao enquadrar um Deus nas teorias científicas existentes. Carl Sagan, um crente, descobriu Deus no mais provável dos lugares: onde acaba o Homem, no momento imediatamente anterior ao Big Bang. Deixêmo-lo ficar por lá.

[Sérgio Lavos]

Autoridades de controlo

"O senhor é muito severo", disse o regedor, "mas multiplique por mil a sua severidade e ela continuará a não ser nada em comparação com a severidade da administração quanto a si própria. Só um estrangeiro poderia fazer uma pergunta dessas. Quer saber se existem autoridades de controlo? Não existe mais nada a não ser autoridades de controlo. É claro que não tem por função detectar erros numa acepção vulgar, até porque nunca ocorrem erros, e se uma por outra vez ocorrem erros, como o seu caso, quem pode afirmar categoricamente que se trata de um erro?"

A opinião de Kafka sobre o futebol português, como aparece no seu romance O Castelo.

[Sérgio Lavos]

18/09/06

O Expresso do Sol nascente

Nas últimas semanas, vários indicadores económicos apontam uma saída para a crise. Aos habituais, do FMI ao Banco de Portugal, passando pela OCDE, poderíamos acrescentar a maravilha da luta entre o novo Sol e antigo Expresso remodelado. Na semana passada, 150 mil portugueses não se importaram de pagar 2,80 euros por um jornal significativamente mais fraco do que aquele que era antes oferecido - mas, é claro, havia o extra não desprezável de termos Scarlett Johansson a deambular por Tóquio e Quioto à nossa mercê. Esta semana, mais 150 000 compraram a nova criação do arquitecto Saraiva e duzentos mil esgotaram a edição do Expresso - com mais um excelente filme, de resto. O Sol custa dois euros. O Expresso, como já referido, 2 e 80. A maior parte dos portugueses que compraram um, também adquiriram o outro. O que antes demorava pelo menos meia semana a ler agora irá ocupar uma semana inteira, para prejuízo do convívio familiar e da produtividade laboral. Ou não? Na verdade, não. Se antes o Expresso já se evidenciava pelo excesso informativo, pela redundância, agora conseguiu o milagre da redução de conteúdos com a mesma aparência de excesso. Sobre o Sol, não me posso pronunciar, dado que nem chegou a entrar no meu local habitual de compra (e não achei demasiado importante deslocar-me em busca de tal astro tablóidico), mas o que tenho lido não me parece animador - muita futilidade, pouco sumo, com um suplemento cultural sem a qualidade que a revista Actual ostenta - e ainda bem para o Expresso que por ali ficaram nomes como António Guerreiro e Joaquim Manuel Magalhães. O projecto de raiva de José António Saraiva tem pernas para andar; por cansaço e pelo progressivo facilitismo do público no seu gosto e na sua procura de informação.
O Verão foi árduo - as operadoras turísticas queixaram-se da quebra geral nas viagens para o estrangeiro. Mas o Outono traz com ele um novo contentamento. Quase cinco euros depois, algumas horas perdidas a ver filmes gratuitos e dias a fio preenchidos na leitura dos dois jornais, podemos sentir a insustentável leveza dos portugueses no ar. Estamos no bom caminho.

[Sérgio Lavos]

Radical

Resta dizer, depois do esclarecimento de Bento XVI, ontem na Alemanha, e do consequente apaziguamento geral dos líderes do mundo muçulmano, o perigoso Hamas incluído, que aqueles que se levantaram gritando "Cartoons! Cartoons!", venham agora ou retirar o que disseram ou assumirem que estão no mesmo extremo das trincheiras em que se encontram os islâmicos que ainda exigem um pedido de desculpa ao Papa. Neste caso, do "ayahtollah" Khatami, xiita iraniano. Em campos opostos, mas unidos no fervor com que defendem a opinião dos líderes religiosos da suas respectivas facções. Belas companhias!

(Ou será o Papa um mole pacifista?)

[Sérgio Lavos]

Reciprocidade

Tudo se encaixa de forma perfeita: Bento XVI deu o flanco aos que diziam que Ratzinger não era a melhor escolha para o lugar, por razões que tinham principalmente que ver com a pouca propensão para o diálogo inter-religioso. Os muçulmanos estão a dar razão ao dislate de Bento XVI, respondendo com violência verbal e física a um discurso que incluía uma frase proferida no século XIV por um imperador bizantino que procurava defender a integridade do território das investidas dos otomanos que então começavam a expandir-se pela Europa fora. A alusão nada inocente que Bento XVI faz à violência intrínseca da religião muçulmana é um erro, mas isso já Bento XVI percebeu - e entretanto corrigiu o tiro. Escusam de aplaudir em surdina, caros apóstolos do apocalipse civilizacional profetizado por Huntington; não é desta que o Papa se ergue como arauto do reduto final da "civilização ocidental". A espada que já foi lei, durante séculos, também na religião católica, não autoriza que se emitam deste modo juízos de valor sobre a moral alheia. E, de resto, o problema nunca residiu na religião em si, nas palavras dos livros sagrados, mas sim nos homens que as interpretam. E Bento XVI, como académico que também foi, devia saber isto melhor que ninguém.

[Sérgio Lavos]

16/09/06

Defeso

É de bom tom tratar as metáforas com carinho; mesmo que elas ameacem diariamente uma greve colectiva. Nunca se sabe em que dia é que as sinédoques e as comparações irão ser contratadas por outro escritor com maiores méritos. A poesia pode ser uma coisa ingrata.

[Sérgio Lavos]

Tartes

Não fosse o truque de ilusionismo que permite que os amantes achem que estão sempre perto um do outro, seja qual for a distância que os separa, e a vida seria apenas um circo sem mágicos. Para dizer a verdade, a vida, a maior parte das vezes, assemelha-se a um circo apenas com palhaços: quando as tartes parecem vir de todas as direcções, em todos os sentidos.

[Sérgio Lavos]

Opostos

Era uma questão de opostos; não os que se atraem, mas os que repelem: ele encarava a vida como se fosse um prolongamento dos 90 minutos; ela limitava-se a ignorar tudo o que tivesse a ver com desportos masculinos. Nunca se encontraram no estádio.

[Sérgio Lavos]

OK GO



[Susana Viegas]

A Dália Negra

"Nunca a conheci em vida. Ela existe para mim através dos outros, nos sentidos em que a morte dela os impeliu."

Esta é a primeira frase do romance de James Ellroy, "A Dália Negra" (a que eu retiraria o artigo ao traduzir o original "Black Dhalia", mas enfim...), acabado de sair em nova edição na Presença, depois de estar durante anos esgotada a primeira edição em português. Se uma frase, caro André, valesse por um livro, seria sempre a primeira. Define o tom e o sentido, obriga o escritor a seguir por um só caminho, num ritmo apenas; de contrário, o livro não presta - e afirmo isto como se falasse de alguém vivo. A repulsa que um mau livro pode provocar pode ser tão agoniante como aquela que o desprezo motiva. No caso do romance de James Ellroy, isto é, evidente, verdade. Porque a carga simbólica da primeira fase apenas reforça a ideia de que estamos perante um grande livro. Tudo aparência? Uma gigantesca encenação, e isso é um prazer enorme. Um livro que se rege pelos velhos códigos do policial "noir" (Mickey Spillane à cabeça), mas com um twist: não é apenas um policial. É um retrato que apenas podemos acreditar realista - e, desse modo, violento até à náusea - da cidade de Los Angeles depois da Segunda Guerra Mundial. A Los Angeles que aprendemos a ver em filmes como "Sunset Boulevard", em que o crime coabita de forma macabra com o glamour de Hollywood - o placard sobranceiro é presença fantasmática ao longo do livro. E marcante para o desfecho do mesmo. A Los Angeles que é, de passagem, evocada por David Lynch em "Mulholland Drive". A Betty Short que morre assassinada podia ser a inocente Betty do filme de Lynch; a Madeleine de Ellroy é um fantasma da Madeleine de Hitchcock - a mulher que vive duas vezes.
O filme, realizado por Brian de Palma, vem a caminho. Apesar da decepção em Veneza, será difícil não ser um bom filme - e ninguém melhor que o vampiro de Palma para captar todas as referências no livro de Ellroy - e que Lynch tão bem aproveitou. A decadência com estilo. Será isso?

[Sérgio Lavos]

15/09/06

Mário Soares

Com a velocidade habitual nestas coisas, falou-se e deixou-se de falar por essa blogosfera fora do programa Prós e Contras dedicado ao "11 de Setembro". Os blogues de direita fizeram a festa, servindo-se de Mário Soares para bombo da festa como se não houvesse amanhã. Os blogues de esquerda pouco reclamaram - com a excepção d'O Franco Atirador, mantido por alguém que afirma ser de esquerda às vezes. Na verdade, não surpreende o silêncio. Na verdade, a prestação de Mário Soares foi lamentável. Por todas as razões e mais alguma, mas principalmente porque defendeu da pior maneira possível uma posição muito mais confortável, em termos éticos, do que aquela que Pacheco Pereira defendia.
Afinal, o que conta? A imagem que Soares passa agora, atabalhoado, perdido, incapaz de articular mais de duas ideias seguidas, esforçando-se a qualquer custo por manter-se à tona em território hostil, ou a ideia que fazemos de Soares como pai da nação? Ou, de outro modo, que tempo conta, que história havemos de contar? Quem se atreve a defendê-lo fala apenas do passado. Da herança que ele deixou ao país. Portanto, colocam-se os defensores de Soares do lado dos seus adversários: Soares não é deste tempo. Já não era quando decidiu concorrer a Presidente pela terceira vez, e o debate de Segunda-Feira passada terá sido a prova final do facto.
Outra história que circula, o debate que se levantou a propósito do absurdo Criacionismo - que, bem-vistas as coisas, tem tudo que ver com Mário Soares. Mais cedo ou mais tarde, os ventos do retrocesso que sopram da cada vez mais conservadora América tinham que chegar à Europa e à religião católica. Li, escrito por João Miranda no blogue Blasfémias, o texto que faz a justa passagem da Física para a Metafísica que a controvérsia pressupõe. Escreve João Miranda a determinada altura: "Como é que Paulo Gama Mota prova que o tempo existe?" E pergunto eu: como é que João Miranda prova que ele próprio existe? Ou melhor, por não podermos provar a existência de Deus (tempo), isso significa que ele não existe? E foram tantos os que estiveram perto de provar, de Espinosa a Kierkegaard, mas sempre recorrendo a modelos lógicos imbatíveis, tão habilmente construídos como facilmente desmontáveis pela lógica que os produziu.
Que tempo conta, então, o presente que vivemos ou o passado em que acreditamos? Apenas o que vivemos agora parece credível mas, hélas, existe a memória. A honra que Mário Soares merece, por ter feito possível o nosso presente, é manchada pelo presente a que temos direito. A melancolia da decadência já foi tantas vezes recriada pela Arte que se tornou um cliché pós-moderno. Apenas Mário Soares não percebeu isto. E não se retirou do mundo que já não precisa dele.

[Sérgio Lavos]

12/09/06

Pet Sounds

Indiferente ao 11 de Setembro, leio as páginas do Y dedicadas a Pet Sounds. Deu gosto ler o que João Bonifácio escreveu sobre os 40 anos deste disco, o melhor disco de sempre, segundo ele. Não posso deixar de concordar; se bem que, por outro lado, me lembre dos Beatles... ("assim-assim"?) enfim, trata-se do gosto do crítico. No entanto, o que deu gosto foi a emoção e alegria não contidas nem disfarçadas com que Bonifácio descreveu algumas canções, chegando mesmo a utilizar adjectivos nunca antes utilizados no Y ou em crítica de música. Muito bem descrito, muito bem escrito. Muito inspirado. Podemos ler expressões como "dos melhores momentos da humanidade até hoje", "polifonia in excelsis", "apenas quase-perfeita", "vitral melódico" enquanto ouvia as canções. Aliás, hoje quando ia no comboio, lembrei-me e ri-me sozinha.

[Susana Viegas]

11/09/06

Um dia na vida

Rui Tavares, um dos historiadores entrevistados hoje no Público a propósito da data que ninguém gostaria de recordar, escreveu no seu "Pequeno Livro sobre o Grande Terramoto" sobre as ondas de choque que o acontecimento teve na História, alinhando um paralelismo entre o presente e o passado; o terramoto foi notícia por toda a Europa, como o continua a ser o atentado ao WTC. Uma imagem da realidade, fragmentada e repetida até à náusea, até que reste apenas uma vaga reminiscência do original. Há semelhanças, claro, mas as diferenças ultrapassam-nas em número. Como acentuam os historiadores que são entrevistados na peça, começamos a perceber que o impacto terá sido menos forte do que aquilo que parecia inicialmente. Do terramoto de Lisboa guardamos a memória incompleta dos relatos da época, do 11 de Setembro temos e iremos ter durante muito tempo tudo, a verdade e o seu contrário, versões sérias, versões oficiais e versões fantasiosas. Esperemos pela cristalização do acontecimento. Mas será que tão cedo se irá fixar, sem espaço de manobra, na História?
Como Slavoj Zizek escreve no seu livro "Bem-Vindo ao Deserto do Real", de resto conceptualizando uma ideia que foi comum a muita gente logo na altura em que as imagens entraram de modo violento no nosso Real (para utilizar o termo do filósofo esloveno), a máquina de Hollywood (assim como muitos escritores de ficção científica ou de ficção de antecipação) já esboçara os contornos da tragédia, prevendo e ajudando à tarefa dos terroristas. O 11 de Setembro, portanto, antes de acontecer já pertencia ao imaginário do Ocidente, globalizado por uma cultura americana predadora da velha cultura europeia. Seria inevitável, se nos quisermos sentar na poltrona do nosso cinismo ou da demagogia ideológica. A realidade imita a arte, ou a arte irrompe pela realidade dentro, abre um rasgão que ainda não parou de sangrar? Do ponto de vista dos terroristas, a segunda hipótese, alucinação pura, é o mais brilhante possível. Na matriz de qualquer terrorismo está a possibilidade de mediatização; a essência do acto terrorista não é a matança indiscriminada, nem sequer a disseminação do terror na sociedade (a primeira é uma inevitável consequência e a segunda o fim básico); o que submete o acto de terror à prova final, à sua inscrição na realidade, é a existência de jornalistas; e de câmaras. Será esta a razão decisiva para a mudança de natureza do terrorismo - a religião é (quase) sempre um pretexto. O espectáculo da morte torna os terroristas actores num teatro que os transcende - a possibilidade da vida eterna nada tem a ver com religião, mas sim com eternidade, que é uma coisa bem diferente. Se quisermos, nunca os cinco minutos de fama de que falava Andy Warhol foram tão espantosamente gozados.
Apanhados na vertigem da ficção, saberemos de facto medir a importância do acontecimento? A tese de Fukuyama, catastrofista e provocante, não estará de facto perto da verdade? Num mundo dominado por dois eixos que se cruzam a cada segundo - a mediatização, puro acontecimento de superfície, e a velocidade de informação, que não chega sequer a tocar essa superfície - saberemos integrar o presente que não para de passar na História, cristalizando os acontecimentos, a única via de atingirmos o conhecimento? Ou estaremos condenados a esquecer, a conviver com simulacros da coisa verdadeira?

[Sérgio Lavos]

10/09/06

In The Mood For Love

Não tinham uma música - tinham um filme. Antes da derrota tão pacientemente adiada, viram-no em conjunto, altas horas da noite numa sala quase vazia. Era uma reposição. E era como se fosse uma repetição de um filme dos anos cinquenta, velhos êxitos cantados por Nat King Cole e planos desenhados no vazio das ruas. Filmava-se a distância entre dois corpos e as alusões mínimas que existiam entre eles: as mãos, sobre a mesa; os olhos, fixos no que estava fora do campo de vista; os gestos, rituais discretos e significativos, a ordem quotidiana insinuando-se aos poucos na extraordinária história de amor que os dois negavam. A comida, de boca a boca, trocada entre as paredes de um quarto. Nos corredores, nas ruas, o jogo lento da sedução dançado no compasso ultrapassado de um tempo enredado em melancolia.
Não tinham uma música, tinham um filme. Quando o actor, antes do the end definitivo, se deixava embalar pelo fracasso e trancava dentro de uma árvore morta o único segredo que devia ser contado ao mundo, começou a chover lá fora. E enquanto abordavam a rua, cediam ao encanto da beleza pura. Tal derrota acendia outra derrota: a entrega a um amor, a uma floresta de mil clareiras perdidas.

[Sérgio Lavos]

08/09/06

Em espera

Há entradas em espera, um comentário ou outro a fazer a este texto de Rui Bebiano, perplexidades cultivadas com satisfação e empenho - que seria de nós, se não as tivéssemos? Sem qualquer relação com a frase anterior, será que uma declaração de amor num blogue é o equivalente virtual aos grafitos que fazíamos na escola, sabem, os corações trespassados por flechas?

[Sérgio Lavos]

O espaço dele

Seria natural encontrá-lo no ciberespaço. Este é o espaço dele. E porque não? O que há de estranho no facto de Zizek ter como amigo outro Zizek? "Either I can build a new identity for myself or in a more paranoiac way, I am somehow already controlled, manipulated by the digital space".

Obrigado, Rita


[Susana Viegas]

Cães

Lavam-se as mãos com os pecados dos outros. Primeiro, a direita; cansada de uma luta titânica travada em favor dessa coisa vaguíssima a que se ousa chamar Civilização Ocidental, descobre uma fraqueza da esquerda que ainda não percebeu que está acabada e atira-se ao osso com um fervor desesperado. Primeiro, uma questão de classificação, semântica (e o artigo de Pacheco Pereira no Público explica bem o conceito): o que é um terrorista? Alguém que rapta civis, trafica droga e obriga crianças a alistarem-se no combate às... vejamos... "políticas anti-sociais, antidemocráticas e belicistas do imperialismo americano"? O que é um democrata? Alguém que rapta civis, estimula o tráfico de droga e fecha os olhos à prática de tortura nas prisões dos aliados? Onde estamos, a que campo pertencemos? Deixamos passar pelo nosso território aviões transportando seres humanos que, na prática, não existem, apátridas sem nome e sem acusação formada, a meio-caminho entre os centros de detenção secretos e o buraco-negro democrático que é Guantánamo, e ao mesmo tempo votamos no parlamento um protesto contra uma organização terrorista que actua a milhares de quilómetros de distância? E a esquerda? Apoia organizações criminosas desculpando-se com os pecados dos seus adversários políticos?
Justiça? Direitos humanos? Liberdade? Ou apenas poder? Ideologia cega, que defende o indefensável e desculpa o imperdoável? Combates vazios e sujos, tão sujos como a lixeira que os cães deixam ao lutar na rua.

[Sérgio Lavos]

03/09/06

Lloyd Cole/Camera Obscura


Durante os próximos tempos, nos sons deste blogue, uma lenda e os seus descendentes. Lloyd Cole, que provavelmente compôs a música mais encantada dos anos 80 - que me desculpem os Smiths -, Lloyd Cole, dizia, funda a sua força no cinismo desencantado de uma juventude indie nas margens da piroseira vigente nessa década. Desde a limpidez da viola acústica até à orquestração elegante, tudo parece existir na proporção correcta, na medida exacta do aperto de estômago saudosista, mesmo para quem não viveu esses míticos anos. Os seus êmulos, uns Camera Obscura que ainda estou a descobrir, conseguiram uma resposta comovente à pergunta de Lloyd. Pop com estilo, escapista, cantada por uma voz que por momentos nos faz acreditar que Lloyd encontrou o que procurava em Tracyanne Campell, escocesa como a banda que acompanhava o músico inglês. (Há ainda aqui ecos dos também escoceses Belle and Sebastian, mais um grupo de saudosistas dos magníficos anos 80). Tudo gente recomendável.

[Sérgio Lavos]

Branco Sujo

Três links, três, para um blogue apenas: Branco Sujo. O melhor que li na blogosfera a propósito do fim d'O Independente. 1, 2 e 3 (como a picadora moulinex). O segundo texto, principalmente, tem muito que se lhe diga. Eu, que sou de esquerda, apenas posso concordar com José Quintas: há muito mais pessoas conotadas com a direita a escrever bem. Eu sugiro uma razão para este estado de coisas: a escola do caderno 3 do Independente.

[Sérgio Lavos]

Adenda: "batedeira moulinex"?! em que é que eu estaria a pensar?! (Texto críptico que apenas interessa a quem detectou o crasso erro que aqui estava inicialmente.)

Coisas

Nesta entrada pós-férias de Rui Miguel Brás, discordo de quase tudo. Mas o primeiro texto, sobre a purga anti-tabagista, vale pelo resto. E o resto, apenas pela qualidade da escrita, cala a minha discordância. De uma raridade que vale a pena.

[Sérgio Lavos]

O mal dos blogues (3)

Nos meus textos anteriores sobre os blogues, o que parece ter feito mais impressão a quem já anda por aqui há muito mais tempo que eu foi a reafirmação dos blogues como uma novidade no espaço público, com todas as consequências que este facto acarreta. Tanto Carlos Leone, como outros que decidiram comentar os textos, publicamente mas sem vontade de se referirem directamente às entradas em causa – estão no seu direito, de resto; por isso, sem entrar em desnecessárias paranóias, utilizo a mesma técnica desses críticos -, concentram a suas ressalvas no facto de a maior parte dos bloggers que valem a pena não serem neófitos na sua intervenção no espaço público. Nada de novo para mim, garanto, mas o facto não enfraquece muito o que antes escrevi. Por exemplo: gostei de conhecer os e-zines ZonaNon e Non!, e de saber que aqueles que agora leio já há muito intervinham criticamente a partir de um meio virtual. A questão é saber até que ponto estes fanzines não replicavam (e replicam) os tiques e defeitos das publicações académicas convencionais. E também avaliarmos correctamente o impacto real que tiveram no espaço público. Se o fanzine costuma ser, por definição, uma publicação independente que junta um conjunto de pessoas com interesses comuns com um desejo de editar de uma maneira verdadeiramente livre e ausente de restrições (tais como as leis do mercado ou as pressões editoriais de um media convencional), tendo como potencial leitor um público restrito, a sua versão virtual tem – e tinha – uma esfera de influência ainda mais rarefeita, parece-me. Precisamente a principal crítica que é dirigida à blogosfera, de resto. Não será uma contradição? A verdade é que são cada vez mais os jornais que citam blogues ou que tem blogues que complementam a função tradicional dos jornais. Os jornais são obrigados a falar dos blogues, porque a blogosfera se tornou notícia. Apesar das reticências e da reduzida vontade de quem escreve nos jornais e opina na televisão. Um e-zine será, portanto, um equivalente do tradicional fanzine, com poucas inovações em relação a este. Sem diversas vantagens que a blogosfera apresenta: a possibilidade de interactividade imediata com o leitor; a inexistência de periodicidade nos artigos publicados, com o consequente acompanhamento da actualidade em cima da hora; a liberalização completa do espaço opinativo – os e-zines não deixavam de funcionar como um grupo fechado, um clube, em que cada artigo se encerrava depois do último ponto final. Um e-zine não passaria de uma réplica do fanzine, assim com as revistas virtuais são uma réplica das revistas publicadas em papel. O blogue é um meio completamente novo, como é o fenómeno My Space – é uma espécie de ilha em permanente contacto com o resto do arquipélago, ou, se quisermos, o rizoma de Gilles Deleuze concretizado quase na perfeição; a informação circula em rede, e não de cima para baixo, em pirâmide. Cada nódulo da rede aparenta ter a mesma importância que o seguinte. Será uma ilusão, sabemos, porque os sitemeters e o technorati fazem a lei do blogueiro, mas uma ilusão que imita na perfeição a democracia total. Atribuir demasiada importância a um fenómeno que permite a mediocridade, o caceteirismo e o pior que os outras plataformas antes permitiram? A multiplicação de notícias e opiniões de quem ainda não aderiu (ver, por exemplo, as entrevistas de Luís Carmelo no Miniscente) assim não o indiciam.

Como já escrevi antes, é difícil falar de um fenómeno que está a acontecer agora sem cometer diversos erros. As razões são várias, a começar pelo desconhecimento parcial do todo de que se fala – é uma impossibilidade, convenhamos, conhecer tudo que se fez antes ou se está fazer neste momento. Admitir as dificuldades pode conduzir a duas coisas: à doce ironia pós-moderna que desdenha de tudo, ao ponto da desvalorização daquilo que se produz. Nada importa, é certo. Ou melhor, o que importa é apenas a matéria. Desconfio que a blogosfera apenas será valorizada por muitos daqueles que agora a desdenham quando manter um blogue significar obter dividendos, quando precisarmos de pagar para ler os nossos blogues preferidos. O artigo de hoje, no Público, sobre a publicidade, directa e indirecta, na blogosfera, antecipa o futuro. Carlos Pinto Coelho diz, no Miniscente, que a auto-regulação é normal na blogosfera. Concordo. Mas antes essa auto-regulação do que a regulação de outros poderes, incluindo o mais difuso de todos, o dinheiro.

A segunda possibilidade implica o erro, obrigatoriamente. Errar é também expor o flanco, admitindo o ataque de todos os que se limitam a apontar o erro dos outros. Prefiro esta segunda hipótese. Não sou relativista.

[Sérgio Lavos]

02/09/06

Eyes wide shut

Slavoj Zizek é sem dúvida um autor surpreendente. Além de escrever de uma forma bastante clara, de ter um óptimo gosto e conhecimento cinematográfico, concilia, como poucos, Filosofia e Cinema. Tem também um grande sentido de humor, conseguindo deixar qualquer estudante ou professor de Filosofia sem palavras. Em Lacrimae Rerum, Zizek recupera o final do último filme de Kubrick, Eyes wide shut (1999), e o diálogo entre Tom Cruise e Nicole Kidman, quando esta lhe diz que há uma coisa que têm de fazer o quanto antes. Zizek recupera esta “passagem ao acto” que é follar (na tradução castelhana é mais cómico…) aplicada a diversos filósofos, permanecendo fiel ao rigor de pensamento. Assim, lemos na nota final 59:

.Descartes:"follo, luego existo", es decir, solo en la intensidad de la actividad sexual experimento la plenitud de mi ser.

.Spinoza:en el Absoluto como Coito, deberíamos distinguir, en la línea de la distinción entre natura naturans y natura naturata, entre la penetración folladora activa y el objeto follado.

.Hume introduce aquí la duda empirista: cómo sabemos que el follar existe propriamente como relación?

.Respuesta Kantiana a esta crisis: "las condiciones de posibilidad de los objetos follados/folladores". (...)

.Nietzsche:la Voluntad es, en su versión más radical, una Voluntad de Follar, que culmina en el Eterno Retorno del "Yo quiero más".

.Heidegger:del mismo modo que la esencia de la tecnología no es nada "tecnológico", la esencia del follar no tiene nada que ver con el follar como actividad meramente óntica; habríamos de decir más bien que "la esencia del follar no es el follar de la Esencia misma".

.Por último, la intuición del carácter jodido de la Esencia misma nos lleva a la sentencia de Lacan: "No hay tal cosa como una relación sexual".

[Susana Viegas]

Um episódio secundário do festival de Veneza, contado no DN por Eurico de Barros. Will Jimeno, o verdadeiro, não a personagem, ficou agastado com os risos que o público dedicou a uma das cenas do filme World Trade Center. A visão de Cristo numa situação limite. Jimeno sentiu-se ofendido porque, diz ele, viu mesmo Cristo. E diz que qualquer um rezaria naquele momento. Mesmo os ateus. Não interessa muito questionar o grau de realidade que um filme deve transmitir, mesmo se baseado em acontecimentos reais. Oliver Stone deve ter tomado as suas decisões, e ao mostrar a visão de Jimeno sabia que tipo de reacção poderia obter. Empatia da maior parte dos crentes e do público em geral, incompreensão de parte da crítica. Pensaria eu, se tivesse no seu lugar. Deve ser sempre difícil gerir cenas emocionais em filmes. Ou se opta pelo melodrama puro, e aí é obrigatória uma sensibilidade que apenas está ao alcance de alguns - o durão Clint Eastwood, por exemplo, é um dos melhores exemplos. Ou então fica-se pelas meias-tintas e perde-se o filme. Neste caso, a cena inclui uma dificuldade extra: mostrar a encarnação da fé de uma personagem. Que eu me lembre, apenas dois realizadores me conseguiram convencer da existência de Deus por momentos: Carl Dreyer, em "A Palavra", e Lars von Trier, em "Ondas de Paixão". A pós-modernidade, que não precisa de crenças nem conversões religiosas, escarnece da religiosidade humana, que vê como ultrapassada e necessariamente anti-moderna. Que Dreyer e von Trier (por sinal, ambos dinamarqueses, de criação evangélica, apesar da conversão do segundo ao Catolicismo) tenham conseguido filmar de forma séria (isto é, não risível) a Fé, parece-me quase um milagre. Coisa rara e antiquada.

[Sérgio Lavos]

01/09/06

Independente

Se fosse necessário dissipar possíveis dúvidas sobre a importância d'O Independente na geração que agora tem entre 30 e 45 anos, bastaria passar hoje, e nos últimos dias, pela blogosfera portuguesa e ler a quantidade de obituários produzidos pelos antigos leitores do semanário. Quanto a mim, o melhor que posso dizer do jornal dirigido por Miguel Esteves Cardoso (apenas me interessou enquanto ele foi director) foi que aprendi a contestar a política e os políticos com a sua leitura. Pouco antes de descobrir que era de esquerda. Mal sabia eu que o sentimento era contraditório, e que havia ambições políticas pessoais impulsionando o projecto. Atraiu-me o estilo da maior parte dos colaboradores daquela primeira época, e isso, no fundo, é suficiente. A política é perfeitamente acessória.

[Sérgio Lavos]

Aos pares

Gosto do blogue Dias Felizes por - de certeza erroneamente - sentir que quase sou convidado a entrar numa intimidade familiar. Apesar dos vestígios autobiográficos serem minuciosamente dissimulados pelos textos, que quase sempre passam por uma catalogação do gosto dos autores - com a excepção dos contos e aforismos non-sense de Rui Manuel Amaral. Revelar as preferências e os deslumbramentos estéticos é, de resto, estratégia comum a muitos blogues. A constituição de um gosto serve para duas coisas: a definição de uma personalidade, necessariamente distante da realidade; e é um modo enviesado de abrir a porta de casa, procurando outros que sintam o entusiasmo que o autor do blogue sente.
Da mesma forma, gosto de saltar entre dois blogues cujos autores eu imagino partilharem (segredo de Polichinelo) mais que o espaço virtual da blogosfera e comparar pontos-de-vista sobre o mesmo tema, as diferenças e as semelhanças, as mútuas influências. É talvez a minha costela de peeping-tom, ou a falta que me faz assistir a reality-shows na TV, que me leva a ceder a esta fraqueza.
Será que falo da minha experiência neste blogue? Isso, cabe a quem lê adivinhar. Está tudo aqui, nas entrelinhas.

[Sérgio Lavos]

Bob Dylan

Bob Dylan, empenhado civicamente no confronto entre passado e presente, afirmou numa entrevista a propósito do novo álbum, "Modern Times", que não há gravações que se aproveitem nos últimos vinte anos. Duas questões: desconfio da tradução que vi em alguns jornais, ou pelo menos da interpretação abusiva. Se o original é "recordings", Dylan podia-se estar a referir à qualidade técnica dos discos e à produção dos mesmos, o que é completamente diferente do entendimento que quiseram dar à frase. De qualquer modo, as faixas que eu conheço deste álbum dão força à interpretação mais radical das palavras de Dylan. Sempre foi assim, de resto. Quem não viveu a época e aprendeu a gostar de Dylan num tempo em que o desencanto tomou conta de tudo compreende bem a amargura cínica de Dylan. Terá pouco a ver com a idade. Não será um exagero achar que músicas com "The Times They Are A-Changin'" conseguem juntar em doses iguais deslumbramento com o presente e saudades de um tempo que passa, apesar da revolução, dos costumes e musical, de que Dylan foi um dos maiores símbolos. O sentimento de errância e perdição que Dylan sempre cantou surgirá amenizado - consequência normal do envelhecimento -, e a aceitação serena do mundo e de si próprio, apesar do referido cinismo, distancia-se irremediavelmente da rebeldia controlada dos anos 60. O conservadorismo pode surgir nos lugares e nas pessoas mais incomuns. Quando Dylan electrificou a música folk, os cantores de protesto reagiram de forma enérgica contra a revolução; agora, Dylan reclama contra os "tempos modernos" fazendo um disco de outra era, saudosista ou clássico, dependendo do ponto-de-vista que decidimos escolher. Quem poderá não ser conservador aos sessenta anos?
Não irei deixar a tocar nenhuma faixa do novo álbum, apesar de elas estarem perfeitamente acessíveis na Internet. Partilho de modo apaixonado a reflexão de David Fonseca, hoje no suplemento 6ª, do DN, sobre a modernidade que se esquece do tempo obrigatório de respiração que cada obra-de-arte deve ter. A acessibilidade e a facilidade que a Internet permite não são necessariamente um bem, não são obrigatoriamente progresso. Quantos dos que lêem este texto se dão ainda ao trabalho de dirigir-se a uma loja de discos, ouvir com atenção o que está em escuta, procurar novidades, admirar as capas dos cd's, comprar dois ou três álbuns e avaliar devidamente o som produzido, as faixas na ordem em que são apresentadas, uma duas, três vezes, até que cada pormenor comece a fazer sentido, cada instrumento se evidencie por si próprio, de maneira a que no final se possa apreciar o álbum como um todo, e não música a música, num Ipod ou nos programas de partilha de ficheiros; quantos ainda se dão ao trabalho de ouvir música da forma tradicional, aquela de que Dylan se reclama herdeiro desiludido? "The Times They are A-Changin'", rima irónica com o título do novo álbum - aquele era o tempo que mudava, este é tempo que mudou. Desencanto, disse?

[Sérgio Lavos]