Se há defeito que não estimo em mim é a tendência para a portugalidade, a irreprimível inclinação para o espírito tuga que me impele a ver em todo o político um espelho de mim próprio, às vezes deprimido, às vezes alcoolicamente eufórico, quase sempre ladrão e com uma preocupante fraqueza no que à verdade diz respeito. Não é de agora, e nem preciso de pedir a ajuda do ansiolítico-mor da praça dos comentadores nacionais para referir os escritores de oitocentos que passavam o seu tempo a vergastar costumes de forma desprendida e plena de witt, Eça à cabeça, pois claro. O que me falta, como à maioria dos portugueses, é estilo. Sou azedo, quase sempre, e não suporto a arrogância de quem me toma por semelhante dos milhões de basbaques que desbaratam a educação que o estado lhes ofereceu e a inteligência que Deus lhes deu babando para cima de jornais desportivos ou novelas da TVI, conforme o género, de quando em quando quem sabe treslendo uns tomos daqueles de que as vedetas falam no ecrã, o ubíquo leitor Marcelo à cabeça. E, lá está, quem erradamente presume que o meu entedimento é, por natureza, moldado pelo património genético de uma nação em desespero de causa, não me merece o mínimo respeito. Pense-se em Sócrates, por exemplo. Rabiado pela excelência de um palácio dos longínquos mares do norte, mugindo do lado de fora para a multidão que o segue cá dentro, e, maravilha das maravilhas, descobrindo a dinamite que irá rebentar de vez com o país. Se provinciano não fosse um termo de tão fraca linhagem, poderíamos ficar por aqui, mas aquilo que me ocorre dizer é apenas isto: idiota de frágeis genes. E eu, imbecil, que o aguento, e aguento a desfaçatez de quem acha que, imitando os outros que resplandecem, algum dia alcançaremos o mirífico fim do pelotão de que nos afastamos tão rápido como uma Clara Ferreira Alves à vista de CCS. Paciência é coisa que me falta. A grande originalidade portuga é o umbigo que teimamos em massacrar com o dedo enquanto invejamos a velocidade com que os outros se nos adiantam. Exportêmo-la.
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