A velha distinção entre o escritor que escreve fora da vida e o escritor que vive para escrever, que escreve a partir da experiência limite a que se convencionou chamar vida, por vezes ainda faz sentido. Talvez faça cada vez menos, as mutações que vão tornando a existência uma coisa quase híbrida, alargando as distâncias que se interpôem entre as pessoas, retiraram valor aos acontecimentos que implicam um contacto directo com o mundo; não queria parecer um pessimista, mas que sentido fará, nos dias de hoje, viajar, viver à margem, "sentir tudo de todas as maneiras"? O escritor maldito que se perde nos meandros do apertado rio a que tem direito na sua navegação à bolina é coisa do passado. Quem se lembra - e inveja - de Rimbaud, de Michaux, de Conrad, de Hemingway? A viagem mudou a sua natureza, os espaços tornaram-se mentais, o escritor começou a perder-se dentro de si próprio. Não é de agora, um longo caminho se percorreu desde Pessoa e Kafka, exemplos perfeitos desta arte do desvanecimento na sombra. Mas não era disto que pretendia falar. Os antigos, os que viviam. E depois contavam. Um exemplo de alguém que, assim me ilude, me parece próximo desta linhagem em extinção. Não sei quem ele é, pessoalmente, apenas o posso julgar pelos textos que leio. Um certo Luís que escreve no blogue A Natureza do Mal. Que iniciou o blogue quando estava preso - porquê? não interessa - e que agora escreve de forma viva sobre a margem de onde ele acabou de se retirar, a mais perigosa de todas. Dois excelentes textos. O gosto que a vida tem pode ser este.
Sem comentários:
Enviar um comentário