Ao contrário do que preconizaram durante anos, a idade não me trouxe sabedoria nem paz de espírito. Ocorrem-me duas razões para o sucedido: ou sofro de uma lamentável tendência para o pessimismo e receio a velhice muito antes do tempo ou aqueles que me avisavam incorreram num redondo engano. Mas nem tudo é mau, com o acumular dos anos fui criando uma espessura de pele que me torna imune a quase tudo o que, para outro qualquer, poderia ser desagradável ou prejudicial. Desde que não cutuquem a minha sagrada trilogia – família, família e família – posso dizer que consigo ser, quase todos os dias, um homem feliz. A qualidade que me permitiu este upgrade de personalidade poderá ter sido, desconfio, o sentido de humor. Nada de rancor, antipatia, ódio visceral. Tudo pode ser risível, se enquadrado no seu devido contexto. Não é à toa que os ditadores se caracterizam também por ostentarem uma preocupante tendência para a seriedade. A excepção, Fidel Castro, serve para confirmar a regra. (Não é gralha, alguém acredita que aqueles discursos intermináveis e monótonos são para levar a sério?) Serve esta palavreado introdutório para dizer o quê? Que, apesar da minha regular bonomia, me irritam algumas coisas. Por exemplo, e isto é a minha costela de esquerda a falar, desprezo a arrogância capitalista e o individualismo exacerbado, valores que vão fazendo a lei no mundo. Mas, tão claro como isto, lamento que a esquerda encare com excessivo rigor a sua luta. O humor, e nem sei quantas vezes já isto foi repetido, pode ser a mais afiada das lâminas. Os esquerdistas padecem do mal de se levarem demasiado a sério. Conseguem ser chatos, chatos como um dia de chuva londrina em pleno verão. Debitam discursos aborrecidos e arreganham com rapidez os dentes se as suas ideias são atacadas, ou pior, arengadas pelos direitistas. Os esquerdistas gostam de coisas como ideais, princípios, regras de boa conduta. Dogmas, dogmas, dogmas. Um esquerdista entediado consegue ser mais conservador do que o pior reaccionário, um esquerdista enfadonho faz temer qualquer revolução que se anuncie, um esquerdista maçador é um perigo para a democracia. Passe a retórica exacerbada. Ser de esquerda e ter um pensamento de esquerda são coisas diferentes. Penso em Miguel Esteves Cardoso, confessado monárquico e revolucionário encapotado, penso em Vasco Pulido Valente, jacobino disfarçado de liberal relutante. O riso não é apenas a menos desprezável das conquistas da razão; quando acontece, elimina as rugas que a vida reflecte no rosto, e a sua ausência é o pior agoiro para o tempo que se segue, em grande ou pequena escala.
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