A instituição "literatura" é um dos mais pesados mastodontes portugueses, entretendo-se a converter autores medíocres na revelação do momento, a premiar "jovens escritores" que escrevem como velhos - e isto não é um elogio - a cultivar um cânone que premeia não a qualidade mas sim a quantidade de espaços onde o escritor aparece, sejam jornais, conferências, televisões, comendas presidenciais, etc. Ah, e os amigos, fundamental peça do puzzle. Aqui há uns tempos, levantou-se um ventozito na blogolândia a propósito deste assunto, oportunidade única para assistir de balcão à exibição de alguns egos inchados, misérias várias, cristas enfunadas. Não interessa, cada um sabe aquilo que tem para exibir ou esconder. Pena é que alguns bons escribas avancem discretos na corrente, como é o caso do emigrado J. Rentes de Carvalho, que agora tenho a oportunidade de acompanhar no
blogue mantido pelo antigo director da revista Periférica, Rui Ângelo Araújo. Não conhecia, confesso, a escrita de Rentes de Carvalho, e talvez o facto tenha a ver com o quase anonimato da editora onde publica, a
Escritor, casa que se pode gabar de prosseguir uma actividade editorial há décadas, contando com o esforço de, julgo, Serafim Ferreira, também ele escritor. Numa editora com outra projecção mediática, a voz de Rentes de Carvalho não passaria despercebida. Mas o ruído que se produz em torno da "literatura" enubla o que é a sua verdadeira essência. Um exemplo, para desfazer as dúvidas:
"Nascido em comunhão com a terra, os meus conhecimentos da natureza são práticos. Diferencio um carvalho dum castanheiro, um macho dum cavalo; sei que a rama da batata não cresce alta como a do tomate; que o voo da pomba é silencioso e o da perdiz barulhento. Mas de vez em quando tenho inveja dos que sabem o nome e os detalhes das plantas, das flores, das árvores; dos que distinguem pelo pio ou pela pena a espécie dos pássaros.
O meu receio, porém, é de que, pelo menos nesse particular, a um aumento do saber corresponda uma diminuição do sentimento. Eu não sei se se continua a olhar com alegria ingénua para a giesta em flor quando se lhe chama Genista lydia, se lhe conhece a genealogia e se estudou a composição química do solo em que ela melhor se desenvolve."
[
Sérgio Lavos]
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