15/03/06

Portas e Cavaco

Não queria armar-me em profeta descamisado do subúrbio, mas não me parece que a coincidência da subida ao trono de Cavaco e o redesembainhar da espada do alegre moribundo Paulo Portas seja passível do esquecimento generalizado do comité central do comentariado nacional. Ele há amigos, ele há os ex-patrões, eu sei, mas não se devia brincar com certos sinais que vão acontecendo, e eu já vi esta história. Eu, que lia o Independente com um fervor quase pueril quando ainda não sabia que ser contra o poder estabelecido não era necessariamente ser anarquista (admito, ingenuidade burra), mas que em minha defesa afirmo que aquilo de que eu gostava mesmo no jornal era das crónicas do Miguel Esteves Cardoso, digo agora que sei o que espera o país - ainda que este se esteja marimbando - nos próximos tempos: o regresso do paladino da direita ao sítio onde ele melhor se sente, e não estou a falar, evidente, das feiras e mercados nacionais. A cadeira da oposição. Vasco Pulido Valente, de entre as opiniões que eu li, foi o único que intuiu isso, mas os laços - directos ou indirectos - que o unem a Portas não lhe permitiram descarregar a tradicional bílis sobre o homem. Pacheco Pereira afiou a pena, contas antigas por cobrar (Santana Lopes, lembram-se?). De resto, o deserto. A teia de influências mexe-se com o movimento provocado pelas patas do dono ao regressar. O que se espera? A curto prazo, a queda do acidental Ribeiro e Castro e a ascensão do próprio ou de um qualquer delfim que se preste ao serviço sujo. Ou não. Quem sabe a que partido e a que políticos quererá Paulo Portas fazer oposição? Alguém cuja ambição pode tomar, numa má manhã, proporções desmedidas, é disso que falamos. O poder é coisa passageira, a glória dura um pouco mais. Paulo Portas saiu do governo de Santana sem honra e muito menos glória, mas ainda assim, num país onde o político pode ser o pior crápula, por cima. Era uma questão de tempo, dizemos. Cavaco que se cuide. O seu PSD, também. A treta do projecto ideológico de direita é areia de atirar para os olhos, anos e anos de aprendizagem em jornais dotaram-no das armas que mais se adequam ao combate. A pergunta é: ainda terá crédito?

[Sérgio Lavos]

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