Há nomes que são mais do que um programa, são toda uma bibliografia de histórias avulsas. Don deLillo é um deles. O som entra pelo ouvido e enrola-se por ali dentro, é como se o serpentear da língua pronunciando o nome se ligasse ao ouvido médio e de súbito partisse deste uma corrente eléctrica que libertasse por momentos no corpo uma micro-onda de adrenalina pavloviana que, de imediato, induzisse em nós a vontade de ler nem que fosse uma miserável frase do homem. Mas vale a pena, ceder a este instinto básico. Há um livro que pode explicar melhor a relação entre língua e cérebro, som e espírito, e que, coincidência ou não, ele decidiu intitular "Os Nomes". Uma ideia tão subterrânea, tão esotérica, que apenas podia resultar num romance fabuloso. Nem sempre fácil, é certo, mas quem quer coisas que se lêem numa noite? Uma seita secreta de assassinos (ou não) que comunicam entre si numa língua desconhecida. Os destroços de Babel à deriva num mundo que enveredou pelo caminho da novilíngua, eliminando a diferença, esbatendo o que distingue um indivíduo do outro. O nome de Don de Lillo. Paul Auster, amigo e confrade, pronuncia os sons de um modo inimitável. Ouvi eu, há uns tempos atrás, uma voz que parece roubada a um qualquer radialista dos anos 30 contando histórias de invasões de extraterrestres num tempo em que a luz eléctrica falhava demasiadas vezes. Quando o medo ainda não tinha um rosto conhecido e esquivo. A perfeita cadência sonora de Don deLillo deve certamente ter que ver com a igual perfeição das palavras nos romances do autor. A linguagem trabalhada a um limite extremo de economia narrativa, nada redundante, nada em carência. Até que o texto se assemelhe à vida que imita: misterioso, lacónico, sempre um passo atrás do sentido pleno.
(Texto suscitado por este blogue, de alguém a quem eu tinha perdido o rasto. E com um template exemplar. Seja bem-vindo de volta.)
[SL]
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