Na última hora entretive-me a rever dois ou três videos no YouTube (se o leitor quiser, pode procurar lá) de Stephen Colbert, colaborador do Daily Show, de Jon Stewart - vocês sabem do que estou a falar - e dei-me conta de uma coisa: os liberais na América têm muito mais sentido de humor que no resto do mundo. A nossa esquerda, de inspiração francesa, está quase sempre encerrada num moralismo que restringe a liberdade de rir e fazer rir, e mesmo quando tenta imitar o modelo americano apenas consegue arrancar um sorriso amarelo e rancoroso. Basta passar por alguns blogues de esquerda para perceber isso. Com a única ressalva de Rui Tavares, mas quase que nem vale a pena insistir no elogio; a sua crónica ao Sábado no Público foi das melhores coisas que aconteceram nos últimos tempos.
O desvio foi feito, regresso à batata quente: o humor liberal americano. Acerta quase sempre porque não é cego. Tem em mira não só as contradições do pensamento conservador americano mas também a demagogia da ideologia de esquerda. Tanto pode fazer um gag com as parolices de Bush como a seguir gozar com o humilhado Al Gore ou a ameba mediática John Kerry. Os jornalistas (?) do "Daily Show" procuram, acima de tudo, o provincianismo e a burrice que abundam, tanto na direita como na esquerda americana. Encontram contradições, ignorância, e exploram um filão inesgotável de piadas e sketches que partem muitas vezes das próprias situações em que os políticos se vêem envolvidos. George W., nesse aspecto, tem surpreendido. Conseguiu fabricar uma personagem que não se importa de passar por comediante involuntário, uma caricatura de um presidente. Os humoristas que andam há seis anos à pesca da próxima gaffe viram-se substituídos na função pelo objecto da paródia. O.K., já percebemos que Bush Jr. convence como palhaço, mas será que serve como presidente?
Por cá, o único espaço que se aproxima desta liberdade crítica da trupe de Jon Stewart é o Inimigo Público. Quem achava José Manuel Fernandes apenas um director de jornal neocon com mau gosto para fatos e uma tendência para se emocionar ao ver o derrube de construções simbólicas, deve ter ficado surpreendido quando o suplemento surgiu, vai para dois anos - penso. Mas cedo se percebeu a razão da escolha: não existe uma tendência política clara nos colaboradores do Inimigo. Basta ver as vezes que Eduardo Prado Coelho já foi gozado para se perceber isto. O corte a eito que o suplemento faz não divide direita e esquerda, mas releva a cretinice e o ridículo a que as figuras públicas se podem submeter - voluntariamente ou não. O mérito dos humoristas passa pela perspicácia que revelam na escolha do ângulo, equidistante de campos políticos marcados. O que é satirizado é a situação, não a personagem. O humor bem feito vive disto.
Camaradas (já se percebeu que sou de esquerda?) da nossa praça, tenham isto presente ao tentar fazer humor: o ridículo não tem ideologia. E é um dos maiores símbolos da liberdade de expressão, esse chavão imundo que qualquer bom moralista gosta de repetir até esvaziar o verdadeiro significado da frase. O sátiro é um ser verdadeiramente livre. (Desde Nietzsche).
[SL]
O desvio foi feito, regresso à batata quente: o humor liberal americano. Acerta quase sempre porque não é cego. Tem em mira não só as contradições do pensamento conservador americano mas também a demagogia da ideologia de esquerda. Tanto pode fazer um gag com as parolices de Bush como a seguir gozar com o humilhado Al Gore ou a ameba mediática John Kerry. Os jornalistas (?) do "Daily Show" procuram, acima de tudo, o provincianismo e a burrice que abundam, tanto na direita como na esquerda americana. Encontram contradições, ignorância, e exploram um filão inesgotável de piadas e sketches que partem muitas vezes das próprias situações em que os políticos se vêem envolvidos. George W., nesse aspecto, tem surpreendido. Conseguiu fabricar uma personagem que não se importa de passar por comediante involuntário, uma caricatura de um presidente. Os humoristas que andam há seis anos à pesca da próxima gaffe viram-se substituídos na função pelo objecto da paródia. O.K., já percebemos que Bush Jr. convence como palhaço, mas será que serve como presidente?
Por cá, o único espaço que se aproxima desta liberdade crítica da trupe de Jon Stewart é o Inimigo Público. Quem achava José Manuel Fernandes apenas um director de jornal neocon com mau gosto para fatos e uma tendência para se emocionar ao ver o derrube de construções simbólicas, deve ter ficado surpreendido quando o suplemento surgiu, vai para dois anos - penso. Mas cedo se percebeu a razão da escolha: não existe uma tendência política clara nos colaboradores do Inimigo. Basta ver as vezes que Eduardo Prado Coelho já foi gozado para se perceber isto. O corte a eito que o suplemento faz não divide direita e esquerda, mas releva a cretinice e o ridículo a que as figuras públicas se podem submeter - voluntariamente ou não. O mérito dos humoristas passa pela perspicácia que revelam na escolha do ângulo, equidistante de campos políticos marcados. O que é satirizado é a situação, não a personagem. O humor bem feito vive disto.
Camaradas (já se percebeu que sou de esquerda?) da nossa praça, tenham isto presente ao tentar fazer humor: o ridículo não tem ideologia. E é um dos maiores símbolos da liberdade de expressão, esse chavão imundo que qualquer bom moralista gosta de repetir até esvaziar o verdadeiro significado da frase. O sátiro é um ser verdadeiramente livre. (Desde Nietzsche).
[SL]
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