A infância, esse labirinto do qual não queremos sair, existia na sua ilusão incólume de não ser. No intervalo das brincadeiras, de quatro em quatro anos, férias grandes com Jogos Olímpicos. Tardes e tardes isolado da torreira lá fora, sentado ou deitado ou dobrado ou estendido em frente à televisão, em completo enlevo admirando os escolhidos para competir. As modalidades que mais me prendiam a atenção eram a natação e o atletismo. Coisa estranha, para alguém que nunca aprendeu a nadar, o facto daquele desporto exclusivamente de verão ser tão viciante. Talvez funcionasse como um óasis no calor que reduzia os dias a cinzas, sempre preferi o conforto da distância e o prazer das imagens à beleza suja e baixa da realidade. Quanto ao atletismo, o que gosto é daquela sensação de individualismo puro, ver os atletas forçando os seus próprios limites, nesse esforço ultrapassando os adversários, ignorando coisas tão prosaicas como o trabalho de equipa ou as indicações do treinador. É o atleta contra o relógio, contra as limitações do seu próprio corpo. Talvez por isto seja ainda mais impressionante quando, nos desportos colectivos, há um génio qualquer que se liberta do espartilho das regras do colectivismo. O que comove no génio é a sensação de liberdade pura, a transgressão libertadora, a vontade de poder estabelecer o seu próprio paradigma. Depois dele, tudo foi diferente. Poderia aplicar a reflexão ao campo da ideologia, mas seria demasiado redutor. É muito mais estimulante falar da natureza humana. E de quem a transcende.
[SL]
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