20/06/06

Gonçalo M. Tavares

Palavra de comerciante de livros: Gonçalo M. Tavares publica demais. A sério, é o que dizem, saem demasiados tomos dele para o mercado, moda de verão, moda de inverno, meia-estação, etc. E em várias colecções, cadernos pretos, cadernos brancos, poesia; existe um projecto editorial que ultrapassa os limites de qualquer editora: os cadernos de Gonçalo M. Tavares. Extra colecção da editora - a Caminho cria duas séries para ele, a Relógio d'Água edita a "Poesia 1" num formato em tudo igual à linha gráfica da colecção regular dedicada à lírica (ainda se usa?) mas com a impressão digital do escritor no fim, a marca do homem: Cadernos de Gonçalo M. Tavares. Os editores, respeitosos de tanta prolixidade, aceitam tudo - julgo. O vendedor de livros reclama. É que Gonçalo não sabe que o mercado não se compadece deste excesso comunicativo. Um livro mata o outro, que pergunte de forma séria aos editores, caro Gonçalo. Chegam a estar dois ou três expostos nas mesas de novidades, tirando o lugar a outras obras que mereciam estar no seu lugar - há muito Dan Brown aí à espreita, esperando a sua oportunidade no mundo-cão da produção de livros.
E não se pense que isto é uma subtil inventiva contra o mercantilismo do produto cultural. Não, nada disso. Tento usar a ironia com a parcimónia que um assunto deste calibre merece. Os críticos, pasme-se, também estão insatisfeitos. Não há recensãozita, ensaio curto ou crónica folhetinesca que, ao referir-se à obra de Gonçalo Tavares, não oponha ao elogio um "mas", um "porém" , um penalizador "todavia". Comedimento, Gonçalo, publique menos. Que os seus livros até são, e assim de memória (ou inventando, tanto faz), "interessantes, "acutilantes", "inovadores no panorama inquinado da literatura portuguesa", "certeiros e cruéis", "sarcásticos e cortantes na sua compreensão do mundo moderno", quando não mesmo "o exemplo perfeito do modo de escrever pós-moderno, paródico, intertextual, percorrendo vários géneros sem se fixar em nenhum, textos ora eivados de um fôlego dramático, ora miniaturas buriladas pelo cinzel da linguagem". É - será - isto, mas modere-se, homem, tem tempo para publicar, um livro por ano é bom, dois passa, mais de cinco é um colossal exagero.
Que interessa o valor individual de cada obra, se o conjunto excede em muito o razoável que se pode esperar de um grande escritor? Pense mais em autores que tanto admira, como Borges, que conseguiu ter uma obra que cabe em quatro volumes apenas - nem um romance para amostra, muitos contos, todos pouco extensos, ensaios que raro ultrapassavam a dezena de páginas. Ou pense em Karl Kraus, sem obra sistematizada, ou em Kafka, inconcluso e imperfeito, ou em Musil, que andou uma vida inteira a escrever uma obra inacabada. Bom, é isso; se quer ter o favor sem reservas da crítica, deveria começar a publicar textos por terminar, deixados a meio, apenas esboçados, tem de esquecer o rigor e a perserverança que aplica aos seus livrinhos. Esboce, apenas, escrevinhe umas palavras, umas quantas páginas e deixe tudo em aberto, não vale a pena levantar tão cedo de manhã para escrever tanto, levante-se tarde, leve uma vida desregrada, a glória espera-o. Convença-se, vivemos em Portugal, país de génios incompreendidos, adoramos quem cultiva de modo sábio a preguiça, palavra feia que, por vezes, substitui o helénico ócio. Olhe, fale com o Luiz Pacheco, que ele ainda tem muito para ensinar nesse campo.
Não diga que vai da minha parte.

[SL]

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