No pingue-pongue da guerrilha verbal que se cultiva entre blogues, existe um excesso de duas coisas: sectarismo e ignorância. Da segunda nem vale a pena falar, porque é a de pior espécie: a de quem julga perceber mais de um assunto que nem os que o vivem há cinquenta anos conseguem entender na plenitude. Os blogues servem principalmente para o escriba achar que a opinião dele conta. É um impulso egoísta compreensível, e de resto muito próximo das jactâncias que a maior parte dos comentadores de televisão e de jornal produz em abundância diária. Saber em que pecado incorro não diminui a culpa, mas acaba por ser a culpa a motivar-me para a vida - é a minha (orgulhosa) herança judaica.
Discorramos então sobre o sectarismo, essa doença primária da democracia. Da esquerda à direita, é fácil cair na tentação do pensamento totalitarista que as ideologias promovem. Porque ainda não aprendemos a pensar, a utilizar de forma correcta os métodos que tornam a razão o único caminho possível para a sabedoria. Julgar cada situação primeiro isoladamente, compreendendo todas as nuances e rugosidades que a tornam distinta do resto, para depois entender como essa situação interage com as outras. Começar olhando de perto o objecto analisado e irmos afastando o olhar até que os outros objectos surjam como complemento e continuação do objecto inicialmente estudado. O todo não é uno, é composto de singularidades que, juntas, formam uma singularidade totalizante que, se quisermos enveredar pelo pretensiosismo, se pode chamar existência. Adiante. Regresso ao indivíduo, então.
Por exemplo, a questão do choque das civilizações (ainda não se tinha percebido que era disso que falava?). Pouco quero entender do assunto, porque sou apenas um blogger. Avalio porém o que me é mostrado diariamente pelos media, confiando na verdade que me contam. Não podia levar muito longe o meu cepticismo, de resto, porque qualquer relação ou troca com o exterior depende da mediação de algo em que tenho de acreditar. Acredito, então, na verdade que me mostram. Tomo uma decisão: elimino parte do passado. Interessa-me apenas o que sucedeu desde o acontecimento mais marcante da História mais recente: o ataque ao World Trade Center. A violência à escala global e, mais importante, uma violência que se alimenta da fome de notícias do público, uma violência que precisa da imagem para passar a sua mensagem. O choque do 11/09 não foram os quase três mil mortos soterrados sob os escombros; a onda propagou-se com uma velocidade estonteante porque todos puderam assistir no conforto dos seus lares ao colapso de um símbolo maior do poderio americano, falo duplo erecto em direcção a um Deus ausente. Por empatia, todo o Ocidente sentiu a castração. O Outro, de forma avassaladora, assinalava a sua presença e resgatava-nos do Éden alimentado pelo mais duradouro combustível da nossa sociedade: o consumo. Depois, aprendemos - ou vamos aprendendo - a conviver com o regresso do medo, aquilo que julgarámos enterrado nas cavernas que abandonámos há muitos milhares de anos atrás. Medo, não da morte surpreendente, vinda de um qualquer terrorista escondendo-se no nosso ninho, mas do fim do conforto de saber que iremos transmitir aos nossos descendentes um mundo melhor do que aquele onde crescemos.
Os E.U.A. responderam em nome desta ideia ameaçada. Atacaram o Afeganistão. Do ponto de vista ético, nada a opor. Era naquele país que escondiam os terroristas; e, no mesmo passo, aproveitava-se para tirar do poder um dos regimes mais retrógados do mundo. Mas não se podia ficar por ali. A América, com parte da Europa a reboque - primeiras divisões - decide atacar o Iraque. Razões, muitas, nem vale a pena enumerá-las, as verdadeiras e as especulações que se criaram. Gosto de pensar que a principal razão para a intervenção foi um complexo de Édipo muito mal resolvido por parte de Bush Jr. O filho tinha de acabar o serviço que o pai deixara a meio dez anos antes. Ponto. De erro em erro - quem acha ainda que o Iraque está melhor agora que estava antes da queda do ditador Saddam? - fomos alegremente descendo pela corrente abaixo até desaguarmos neste afluente principal da guerra global prometida pelos ideólogos neoconservadores. Claro que falo da invasão do Líbano. Permitida pela mítica América, não por acaso porto de abrigo para a diáspora judaica ao longo dos séculos. Este acontecimento, não sei se será mais ou menos importante que a intervenção no Iraque, por exemplo. Sei que tão cedo não iremos ter um presidente americano tão influenciado por correntes de opinião, tão dependente de outros, como este. E que, portanto, a insanidade da actual política externa americana não irá durar muito. Mas por enquanto, temos Israel destruindo completamente um país vizinho em busca de uma agulha no palheiro.
Certo e errado? Nem pensar. Os nossos e os dos outros. Os defensores da política externa americana - com a notável excepção de Fukuyama - irão sempre apoiar qualquer decisão desta administração. Não há sequer uma tentativa de pensar cada acontecimento individualmente, toda e qualquer argumentação encetada visa unicamente a justificação de decisões tomadas pelo governo norte-americano. A retórica que se tem usado nos últimos três anos dava um tratado. Todos ainda têm presente o absurdo do período pré-invasão do Iraque, as sucessivas "provas irrefutáveis" que foram apresentadas para provar a existência de armas de destruição maciça na quinta de Saddam. Ora, voltamos a passar pelo mesmo. O que se tem dito e escrito para justificar a quantidade de leis internacionais que Israel ignorou nas últimas duas semanas, apesar de estar condenado às páginas esquecidas da História - que elimina tudo o que é acessório, pensa sempre em grande - é de um absurdo retumbante.
O que restará? As ruínas de um país. Outra nação para reconstruir. Onde já vimos isto? Apenas lamento que muitos dos que estão contra este estado de coisas caiam facilmente naquilo de que são acusados: anti-americanismo primário, anti-semitismo secundário, burrice tout court. Se atiramos ao outro campo político a bola do sectarismo, estejamos preparados para que a acusação faça boomerang.
No diálogo de surdos que se (des)estabelece entre os dois sectarismos, perde-se, quase sempre, uma de duas coisas: o bom senso e a razão. Tudo se torna opinião sem importância, dislate disparatado ou puro non-sense argumentativo. Eu, orgulhosamente, junto-me à matilha. Longe, e sem querer cair num sentimentalismo pacóvio, continuam a morrer pessoas que não sabem muito bem que deus as castiga: se Alá, se Jeová, se o rasteiro deus da mesquinhez assassina, dilecto filho da vontade de poder humana. Quem, do lado de cá, para além da retórica de taberna, verdadeiramente se interessa?
[SL]
Discorramos então sobre o sectarismo, essa doença primária da democracia. Da esquerda à direita, é fácil cair na tentação do pensamento totalitarista que as ideologias promovem. Porque ainda não aprendemos a pensar, a utilizar de forma correcta os métodos que tornam a razão o único caminho possível para a sabedoria. Julgar cada situação primeiro isoladamente, compreendendo todas as nuances e rugosidades que a tornam distinta do resto, para depois entender como essa situação interage com as outras. Começar olhando de perto o objecto analisado e irmos afastando o olhar até que os outros objectos surjam como complemento e continuação do objecto inicialmente estudado. O todo não é uno, é composto de singularidades que, juntas, formam uma singularidade totalizante que, se quisermos enveredar pelo pretensiosismo, se pode chamar existência. Adiante. Regresso ao indivíduo, então.
Por exemplo, a questão do choque das civilizações (ainda não se tinha percebido que era disso que falava?). Pouco quero entender do assunto, porque sou apenas um blogger. Avalio porém o que me é mostrado diariamente pelos media, confiando na verdade que me contam. Não podia levar muito longe o meu cepticismo, de resto, porque qualquer relação ou troca com o exterior depende da mediação de algo em que tenho de acreditar. Acredito, então, na verdade que me mostram. Tomo uma decisão: elimino parte do passado. Interessa-me apenas o que sucedeu desde o acontecimento mais marcante da História mais recente: o ataque ao World Trade Center. A violência à escala global e, mais importante, uma violência que se alimenta da fome de notícias do público, uma violência que precisa da imagem para passar a sua mensagem. O choque do 11/09 não foram os quase três mil mortos soterrados sob os escombros; a onda propagou-se com uma velocidade estonteante porque todos puderam assistir no conforto dos seus lares ao colapso de um símbolo maior do poderio americano, falo duplo erecto em direcção a um Deus ausente. Por empatia, todo o Ocidente sentiu a castração. O Outro, de forma avassaladora, assinalava a sua presença e resgatava-nos do Éden alimentado pelo mais duradouro combustível da nossa sociedade: o consumo. Depois, aprendemos - ou vamos aprendendo - a conviver com o regresso do medo, aquilo que julgarámos enterrado nas cavernas que abandonámos há muitos milhares de anos atrás. Medo, não da morte surpreendente, vinda de um qualquer terrorista escondendo-se no nosso ninho, mas do fim do conforto de saber que iremos transmitir aos nossos descendentes um mundo melhor do que aquele onde crescemos.
Os E.U.A. responderam em nome desta ideia ameaçada. Atacaram o Afeganistão. Do ponto de vista ético, nada a opor. Era naquele país que escondiam os terroristas; e, no mesmo passo, aproveitava-se para tirar do poder um dos regimes mais retrógados do mundo. Mas não se podia ficar por ali. A América, com parte da Europa a reboque - primeiras divisões - decide atacar o Iraque. Razões, muitas, nem vale a pena enumerá-las, as verdadeiras e as especulações que se criaram. Gosto de pensar que a principal razão para a intervenção foi um complexo de Édipo muito mal resolvido por parte de Bush Jr. O filho tinha de acabar o serviço que o pai deixara a meio dez anos antes. Ponto. De erro em erro - quem acha ainda que o Iraque está melhor agora que estava antes da queda do ditador Saddam? - fomos alegremente descendo pela corrente abaixo até desaguarmos neste afluente principal da guerra global prometida pelos ideólogos neoconservadores. Claro que falo da invasão do Líbano. Permitida pela mítica América, não por acaso porto de abrigo para a diáspora judaica ao longo dos séculos. Este acontecimento, não sei se será mais ou menos importante que a intervenção no Iraque, por exemplo. Sei que tão cedo não iremos ter um presidente americano tão influenciado por correntes de opinião, tão dependente de outros, como este. E que, portanto, a insanidade da actual política externa americana não irá durar muito. Mas por enquanto, temos Israel destruindo completamente um país vizinho em busca de uma agulha no palheiro.
Certo e errado? Nem pensar. Os nossos e os dos outros. Os defensores da política externa americana - com a notável excepção de Fukuyama - irão sempre apoiar qualquer decisão desta administração. Não há sequer uma tentativa de pensar cada acontecimento individualmente, toda e qualquer argumentação encetada visa unicamente a justificação de decisões tomadas pelo governo norte-americano. A retórica que se tem usado nos últimos três anos dava um tratado. Todos ainda têm presente o absurdo do período pré-invasão do Iraque, as sucessivas "provas irrefutáveis" que foram apresentadas para provar a existência de armas de destruição maciça na quinta de Saddam. Ora, voltamos a passar pelo mesmo. O que se tem dito e escrito para justificar a quantidade de leis internacionais que Israel ignorou nas últimas duas semanas, apesar de estar condenado às páginas esquecidas da História - que elimina tudo o que é acessório, pensa sempre em grande - é de um absurdo retumbante.
O que restará? As ruínas de um país. Outra nação para reconstruir. Onde já vimos isto? Apenas lamento que muitos dos que estão contra este estado de coisas caiam facilmente naquilo de que são acusados: anti-americanismo primário, anti-semitismo secundário, burrice tout court. Se atiramos ao outro campo político a bola do sectarismo, estejamos preparados para que a acusação faça boomerang.
No diálogo de surdos que se (des)estabelece entre os dois sectarismos, perde-se, quase sempre, uma de duas coisas: o bom senso e a razão. Tudo se torna opinião sem importância, dislate disparatado ou puro non-sense argumentativo. Eu, orgulhosamente, junto-me à matilha. Longe, e sem querer cair num sentimentalismo pacóvio, continuam a morrer pessoas que não sabem muito bem que deus as castiga: se Alá, se Jeová, se o rasteiro deus da mesquinhez assassina, dilecto filho da vontade de poder humana. Quem, do lado de cá, para além da retórica de taberna, verdadeiramente se interessa?
[SL]
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