19/07/06

Philip Roth

"Nem todos tiveram a sorte de nascer judeus, não é? Portanto vamos lá, um bocadinho de rachmones para com os menso afortunados, está bem? Porque eu estou farto e mais que farto dos goyische isto e dos goyische aquilo! Se é mau, foram os goyim, se é bom foram os judeus! Não vêem, meus queridos pais, que me geraram não sei bem como, que essa maneira de pensar é um tanto ou quanto bárbara? Que assim estão simplesmente a exprimir o vosso medo? A primeira distinção que aprendi convosco, tenho a certeza, não foi a distinção entre a noite e o dia, ou entre o calor e o frio, mas entre goyische e judeu! Mas agora descubro, meus queridos pais, parentes e amigos que aqui se reuniram para comemorar o evento do meu bar mitzvah, descubro, sim, meus palermas, meus palermas de espírito tacanho! - oh, como eu vos detesto pela tacanhez do vosso espírito judeu! e a si também, Rabi Sílaba, que pela última vez na vida acaba de me mandar ao café da esquina comprar outro maço de cigarros Pall Mall, com que você empesta os lugares por onde passa, não sei se já alguém lhe disse - descubro que a vida afinal não se resume ao conteúdo dessas duas categorias inúteis e repugnantes! E em vez de se lamentarem por aquele que virou as costas à saga do seu povo, porque é que não choram antes pelas vossas tristes pessoas, sempre a sorver essa uva azeda da religião! Judeu, judeu, judeu, judeu, judeu, judeu! Já não posso mais com a saga dos judeus martirizados! Por isso faz-me um favor, meu povo martirizado: vai à merda mais a tua herança de martírio! - é que eu por acaso também sou um ser humano!"

in O Complexo de Portnoy, de Philip Roth - judeu, para o contentamento de todos.


[SL]

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