Pois eu cá acho, caro Pacheco Pereira, que o futebol é, neste momento, mais importante que a saída de um ministro do governo, ainda que esse ministro fosse o mais criticado até agora, e por esta razão, peça fulcral, em termos simbólicos, do plano - se ele existir - montado por Sócrates. Pois é, sei que isso me define enquanto cidadão. Porque prefiro aos males do país e às coisas verdadeiramente importantes a libertinagem que apenas um prazer censurado pelo moralismo de alguns - helás, são a minoria - pode sustentar. Defino-me então como mais um dos que se prestam ao desinteresse e ao tédio quando se fala de política. Acho por isso normal que os jornais tenham destacado o jogo da Selecção em desfavor da mudança governamental, mas eu não sou um estudioso dos media nem me concedo o privilégio de perceber mais de actualidade que o médio comentador televisivo. É verdade que partilho algo consigo; gosto de xadrez. Ora, entre uma boa partida de xadrez e uma conferência de imprensa em prime-time, nem hesito. Do mesmo modo que prefiro a primitiva emoção de assistir a um jogo de futebol à leitura exaustiva da imprensa em busca do próximo ponto de vista sobre as razões ou desrazões de Freitas para sair do governo. Sócrates jogou bem a cartada, parece-me evidente. O país anda anestesiado e esquecido e pumba, lá esta a substituição do homem. Mas será que, se o campeonato não estivesse a decorrer, os portugueses ligavam mais ao acontecimento político? Sejamos sinceros: que importância política pode ter a saída de Freitas? Eu respondo: aquela que o batalhão de detractores da figura lhe quer atribuir. Há muito que eu não via político mais mal-amado e mal-tratado pela elite bem-pensante deste país. Da direita à esquerda, não houve jornalista ou comentador que não tivesse metido a colher na actuação do ex-ministro, fosse para criticar ou fazer piadas fáceis, escrutinar exaustivamente ou demolir completamente, num limite que por vezes roçou o ataque pessoal. Bem, houve outra figura política que mereceu um tratamento semelhante por parte dos que se divertiram com Freitas: Santana Lopes. Razões e estatutos diferentes, ainda assim. Outras histórias.
É que, sabe, parece-me que o circo que se ergue em torno de certos acontecimento políticos é muito parecido com aquele montado em volta da "futebolândia". O político moderno reflecte este estado de coisas, é um animal que a Natureza seleccionou de modo perfeito. Vive do vazio da imagem, do próximo sound-byte, da abertura dos telejornais, do comentário em programas de debate político semanais. Votaria com gosto no primeiro político que recusasse este circo mediático, que se limitasse a ter um programa, ser eleito, cumprir as políticas discretamente, sem dar entrevistas ou fazer promessas ou gritar aos microfones slogans vazios. Mas, oh, raciocinemos. Um político assim nunca chegaria ao poder. A selecção natural que produz o político moderno deixa de fora os incapazes, os fracos, os que recusam os favores da fama e que, desconfio, seriam os mais aptos a cumprir a função de governação. Neste país, os que poderiam retomar o rumo certo estão inapelavelmente condenados à recusa e à reclusão, por vontade própria ou, lamento, por imposição do sistema mediático.
E, imagine, caro Pacheco Pereira, o senhor pertence ao sistema que tanto critica. Pode até ser dos mais esclarecidos e lúcidos da plateia, mas nem por isso pode ser ilibado de culpas neste affair lamentável. Queria que Sócrates e os jornais gritassem mais alto que o mundo irracional do futebol? O Governo de um povo não é isso. Usando uma comparação pedida de empréstimo à "futebolândia", um bom político deve ser como um bom árbitro: discreto, eficaz, impondo o respeito aos jogadores naturalmente, sabendo de cor as regras e aplicando-as o melhor possível ao jogo que comanda. Haverá algum político que se aproxime, por exemplo, de um Pierluigi Colina? O bom político devia simplesmente desdenhar as aberturas de telejornais, as primeiras páginas de jornais, recusar viver e morrer pela imagem, como diz o cliché do comentário político. Mas ninguém se atreve a tanto. Perderia.
[SL]
É que, sabe, parece-me que o circo que se ergue em torno de certos acontecimento políticos é muito parecido com aquele montado em volta da "futebolândia". O político moderno reflecte este estado de coisas, é um animal que a Natureza seleccionou de modo perfeito. Vive do vazio da imagem, do próximo sound-byte, da abertura dos telejornais, do comentário em programas de debate político semanais. Votaria com gosto no primeiro político que recusasse este circo mediático, que se limitasse a ter um programa, ser eleito, cumprir as políticas discretamente, sem dar entrevistas ou fazer promessas ou gritar aos microfones slogans vazios. Mas, oh, raciocinemos. Um político assim nunca chegaria ao poder. A selecção natural que produz o político moderno deixa de fora os incapazes, os fracos, os que recusam os favores da fama e que, desconfio, seriam os mais aptos a cumprir a função de governação. Neste país, os que poderiam retomar o rumo certo estão inapelavelmente condenados à recusa e à reclusão, por vontade própria ou, lamento, por imposição do sistema mediático.
E, imagine, caro Pacheco Pereira, o senhor pertence ao sistema que tanto critica. Pode até ser dos mais esclarecidos e lúcidos da plateia, mas nem por isso pode ser ilibado de culpas neste affair lamentável. Queria que Sócrates e os jornais gritassem mais alto que o mundo irracional do futebol? O Governo de um povo não é isso. Usando uma comparação pedida de empréstimo à "futebolândia", um bom político deve ser como um bom árbitro: discreto, eficaz, impondo o respeito aos jogadores naturalmente, sabendo de cor as regras e aplicando-as o melhor possível ao jogo que comanda. Haverá algum político que se aproxime, por exemplo, de um Pierluigi Colina? O bom político devia simplesmente desdenhar as aberturas de telejornais, as primeiras páginas de jornais, recusar viver e morrer pela imagem, como diz o cliché do comentário político. Mas ninguém se atreve a tanto. Perderia.
[SL]
Sem comentários:
Enviar um comentário