18/07/06

Tomar partido (2)

Rui, ainda bem que reparaste na diferença entre o Público de hoje e o de ontem, podemos falar disso. É que eu, repara, não disse que o diário, em geral, pratique mau jornalismo - nem eu sei distinguir o bom do mau, para todos os efeitos; apenas notei que havia demasiados espinhos no tratamento noticioso dado ao tema ontem. Não poderás discordar neste ponto. E não preciso de afirmar que simplesmente não é verdade que haja um favoritismo da imprensa em relação ao lado islâmico nesta questão do Médio Oriente. Se pensarmos bem, nem um dos que denunciam os abusos da democracia israelita se declaram abertamente pró-terrorismo. Falo dos comentadores portugueses, é claro, a realidade que melhor conhecemos. O que há é gente que defende a causa palestiniana e os palestinianos, o seu direito a viver num Estado que não seja definido arbitrariamente pelo poder que os sufoca a dois passos de casa. É que, repara, se é verdade que desde a fundação do estado de Israel que os palestinianos lutam ou para expulsar o povo israelita - os radicais -, ou para terem direito ao território atribuido aos islâmicos após a Segunda Guerra Mundial, aquele que Israel nunca conseguiu respeitar - os moderados -, também é verdade que desde essa data que Israel vem negando as pretensões dos palestinianos. Parece-me portanto, uma questão clara de luta territorial, ainda por cima provocada pela irresponsabilidade do mundo ocidental ao criar um estado artificial em terras que já estavam ocupadas por outro povo há séculos. A má-consciência ocidental, a culpa judaico-cristã que tão fervorosamente cultivamos desde sempre, é a origem de tudo - sobre este assunto, basta ler Kafka ou Philip Roth. E nem vale a pena discutir quem tem direito à terra; seria bom se pudessem todos usufruir dela em conjunto, mas infelizmente neste tipo de questões quem escolhe a via mais violenta - ainda que seja a minoria - acaba por levar a melhor sobre os que escolhem o caminho da paz e da reconciliação.
Ainda bem que falas de Ghandi, que melhor exemplo há da tragédia da Natureza Humana? Lutou uma vida inteira pelo direito à auto-determinação de um povo, sem recorrer à violência nem a acções radicais. A moderação, sempre a moderação. Conseguiu, mas acabou morto às mãos de um fanático hindu que não desejava a paz com os seus compatriotas muçulmanos. Cinquenta anos depois, a Índia continua desunida pela religião, ainda e sempre porque a margem violenta de cada religião empurra o centro para o confronto e a guerra.
Haverá solução para a a questão do Médio Oriente? Não tenho pretensões a responder a esta questão. Pode durar séculos até que o conflito se extinga, ou pode levar apenas alguns anos até que tudo acalme. Para sempre ou temporariamente, até porque a História mostra à saciedade que a paz é apenas um acidente, um acaso na interminável sede de guerra que move o Homem. Não sei responder a perguntas sem resposta, mas posso dizer que preferia não ver tantos morrerem em consequência da irresponsabilidade de tão poucos - os líderes políticos e religiosos de cada lado. E parece-me que nem os bombistas suicidas, nem os mísseis do Hezzbolah, nem as bombas caindo sobre alvos civis dos israelitas contribuam para o fim do conflito. A paz à bomba é apenas um bom argumento de filme de guerra de Hollywood. A realidade é outra coisa completamente diferente.

P.S.: Reli um texto anterior teu. Sabias que apenas uma mínima parte dos israelitas nasceram ou são descendentes de judeus que viviam em 1945 no actual território de Israel? Que a maioria dos que para lá foram depois do Holocausto eram eslavos da Rússia que fugiam de Estaline ou sobreviventes dos campos de concentração que conseguiram escapar de Leste? Quem tem mais direito ao território, estes imigrantes ou quem já lá estava em 1948, muçulmanos e judeus incluídos? A minha resposta? Ambos, desde o momento em que foi decidido pela ONU, em acordo com os líderes palestinianos, que Israel tinha direito a existir. Qual é a tua resposta?

[SL]

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