Admito a miserável queda para o lirismo barato. A irreprimível tendência para a palavrinha xaroposa, a metáfora redundante, o adjectivo desnecessário. Comovo-me com pouco, apesar de quase nunca se notar; dizem que sou seco. Dou por mim a apagar frases inteiras, parágrafos, textos, provação de escriba (cliché, bingo!) à míngua no deserto que faz, desgraçado, por merecer. Mais que o choradinho das palavras, o facilitismo da emoção fácil, o que prende, qual mosca, no melaço do sentimento, é a sensação absurda, mas oh tão errada, de achar que o putativo leitor me acompanha mais facilmente na via sacra da leitura. Lamento, tudo é estilo. O conteúdo é uma coisa que um semiótico qualquer inventou numa noite de atroz insónia, do mesmo modo que a verdade é um truque ficcional mais eficaz como estratégia de engate do leitor ideal, que no meu caso será uma mulher vaguíssima, de olhos ternos e atenção desmedida, ponta do indicador no lábio superior, perna cruzada, óculos caídos sobre o nariz, pele morena. Mas devaneio (e lembro Liv Tyler num filme banal realizado por Kevin Smith de que agora não me recordo o nome, com o canastrão do Ben Affleck e a inefável Jennifer Lopez. Se conhecem o filme, é desta imagem que falo; se não, paciência.), e evoco o mandamento supremo de quem escreve: o estilo. Pode mentir, inventar uma vida, um passado de que não se orgulha, seduzir o casto leitor com pleonasmos de cortar a respiração, arriscar oxímeros, experimentar mil e uma vozes diferentes, copiar outros, sem pudor, desde que mantenha um estilo. Pode o escritor nem saber ao certo o que pretende dizer, não é importante. Se a cadência das frases clicar um qualquer botão escondido no coração do inocente que está do lado do texto, está feito. Bom, bom, escrevia sobre o romantismo tardio que aborrece, apesar de preferir dar um exemplo concreto do que a seguir escrevi: o texto de Joaquim Manuel Magalhães no Expresso de sábado, sobre a poesia de Pedro Mexia. Uma ideia boa repetida em círculo perpétuo, uma reafirmação do lugar de Mexia no seio dos "reais" da poesia portuguesa, e pouco mais, no que diz respeito a conteúdo. Mas a forma, a forma. Ler um ensaio de JMM pode ser quase entusiasmante como ler um poema dele. E entedio o leitor, eu sei, mas podemos pôr as coisas de outro modo. O deleite estético é tão profundo como aquele que sinto ao ouvir de uma ponta à outra o "The Queen is Dead", e está tudo dito. E está explicado o meu vergonhoso romantismo. A frase que serve como epígrafe do blogue pode não ser apenas pose. A sério.
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