Uma das imagens que melhor consigo associar à ideia de solidão é um campo de futebol vazio. Não um estádio, com bancadas e relvado para os grandes desafios. Penso antes num pelado, um campo de clube de aldeia abandonado, um simples terreno cercado a toda a volta por um muro: imagino a areia suja, vestígios de cal das linhas de marcação, a erva a crescer no meio das pedras que entretanto, à custa de uns quantos pontapés de putos em dias de domingo, rolaram para dentro das quatro linhas, quase que consigo visualizar a desolação dos paus sem bandeirola de canto a largar tinta branca que, outrora, já foi fresca, e as balizas, claro, de redes esfarrapadas, caídas por terra, esqueleto de metal exposto à chuva e ao lento desgaste da ferrugem, que bem podia ser outro modo de escrever tempo. Atrás de mim, as bilheteiras, sem portas, sem bilhetes, o portão de entrada escancarado e preso por arames, inseguro nos gonzos, comido pelo bicho da madeira que foi roendo o miolo até à casca. Ao fundo, as cabines dos jogadores, as instalações da cooperativa, a memória de umas marcações esquecidas do chinquilho que costumava entreter os velhos, distraí-los, e observo os jogadores fora de forma entrando em campo antecedidos pelo árbitro. O público aplaude e assobia em doses iguais a equipa de casa e o adversário, e a determinada altura do jogo o defesa central, talhante de aldeia e homem encorpado, atira a bola para as nuvens; saio do campo pela porta das traseiras, bem escondida por detrás da sala da direcção. No meio do matagal, encontro um resto de couro preto e branco. Chuto o despojo por cima do muro de cimento gasto. A bola voltou ao lugar de onde veio. No centro do grande círculo, ninguém espera para a dominar.
Sem comentários:
Enviar um comentário