12/05/06

Literal e alegórico

A grande notícia do dia é, para fastio de uns e contentamento de outros, a saída do livro de Carrilho. A grande aposta editorial é a indignação e a má-criação congénita. Nada de novo. O homem, que tudo fez para perder uma eleição que, à partida, não passava de favas contadas, decide ripostar contra a corja de fantasmas que lhe assombrou o (supostamente) impecável percurso. Tudo começou ainda ele era ministro (da Cultura e dos amigos que parasitam a cultura) com a célebre história da remodelação da retrete, e culminou na apresentação de candidatura com o vídeo caseiro do Dinis Maria à mistura. Parece que ele agora vem dizer que o que vimos não foi aquilo que vimos. Isto é, tudo boatos, ilusões, mentiras, invenções jornalísticas, empolamentos e perseguições injustas, enfim, uma autêntica campanha que devia envergonhar a classe dos jornalistas. Já não me quero recordar do caso da retrete do ministro, mas lembro-me muito bem da reportagem feita por Ana Sá Lopes no CCB e do exploitation video mostrado. A crediblidade dos jornalistas, atacada por Emídio Rangel (pertencerá ainda à classe que vitupera?), é de criticar, mas cada um fala por si, e a jornalista da reportagem que eu li é das mais competentes que por aí trabalham. Quem acredita no chorrilho de Carrilho? Os amigos, os poucos que não o abandonaram no calvário a que voluntariamente se submeteu desde que emergiu das catacumbas do meio académico para a ribalta das luzes mediáticas. Aquilo com que Carrilho não contava foi com o facto de que a súbita exposição à luz pode provocar cegueira. A platónica caminhada da caverna à superfície, ensaiada num momento de vaidade absoluta, redundou num brilhante fracasso. Ninguém duvida da inteligência da personagem. A perspicácia e a sensatez, por outro lado, são qualidades que lhe faltam, e isso é fatal no meio mediático onde ele tentou nadar. Isso e a tal ridícula vanitas que o conduziu nos últimos quinze anos. Nunca lhe perdoaram ter chegado à política dono e senhor de um currículo admirável. E ele nunca conseguiu perceber a rasteira. Se não fosse anedótico, poderia ser trágico. Para esquecer.

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