20/10/07

Mulheres de Hal Hartley

Valeu a pena ter visto "Fay Grim" depois de meio mundo já o ter feito. Falar das coisas em segunda mão é mais fácil. Fui lendo e fui esquecendo assunto por onde começar a conversa. Ou o texto. E agora (como quase sempre) nada tenho a acrescentar a tudo que li e ouvi. Queria falar apenas do aspecto mais sedutor da obra de Hal Hartley (sempre gostei do nome, tão americano como os filmes dele): as mulheres. Mas dizem: isso é uma redundância. Concordo. Falar das mulheres de Hartley é redundante. É verdade que há outras mulheres, de outros cineastas, mais belas, mais deslumbrantes, com mais "qualidade de estrela". Mas as mulheres de Hartley são especiais porque se apaixonam perdidamente (e eu só conheço uma outra perdida de amores a sério no cinema, Shirley McLaine em "Some Come Running"). E apaixonam-se perdidamente por tipos vulgares, rufias, inadaptados displicentes que não têm onde cair mortos; mecânicos que poderiam, se quisessem, citar Kierkegaard sem pestanejar (julgo que foi o próprio realizador quem afirmou isto). Ninguém disse que a pretensão é um mal em si. Se serve para deixar pelo beicinho Elina Lowhenson, Parker Posey ou Adrienne Shelley (uma pontada no coração, meu Deus, ao escrever este nome), deveria servir para tudo o resto.
Nada disto é novo, eu sei. Brutamontes rodeados de mulheres espojadas aos pés é um cliché do cinema. Já brutamontes sensíveis brincando ao Belmondo para cima de uma qualquer pálida beleza é uma coisa rara. No fundo, gostaríamos todos de conhecer mulheres como as de Hal Hartley (e imito aqui o que uma mulher me disse em tempos algo de semelhante a propósito dos homens, ou melhor, Martin Donovan em "Trust"); mulheres fortes que caem nos nossos braços à primeira investida séria - e peço desculpa pelo termo animalesco; falamos de fantasmas, de cinema. Imagens projectadas numa tela.

[Sérgio Lavos]

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