22/10/07

Homo Sapiens Watson

Não deveria ser assunto que merecesse um texto aqui, depois de ter lido esta brilhante refutação de Vasco Barreto no Cinco Dias; ainda assim, há coisas que se tornaram um hábito, e nem assim se tornam confortáveis. Os textos que defendem, de forma mais ou menos velada, mais ou menos hábil, as afirmações de James Watson, têm em comum o fantasma recorrente da liberdade de expressão. E o espantalho do politicamente correcto, para afastar as mentes mais susceptíveis. Torna-se cansativo. Para além de aturarmos a pesporrência ignorante de um prémio nobel desatinado, levamos com os habituais especialistas em tudo e coisa nenhuma, que, à primeira oportunidade, se socorrem da agenda política do costume.

Qual não foi a minha surpresa ao ver o habitualmente (para mim) inatacável Desidério Murcho juntar-se ao coro de carpideiras, com João Miranda à cabeça. Deste último, já não se espera muito. Na cabeça da alegre tropa fandanga de fãs que linka o Blasfémias e parasita a caixa de comentários, não há superioridade genética que resista à solidão do neurónio. Normal. Como também é o facto de a maior parte dos Mirandettes não snifar sequer a agenda política do ídolo - a revelada e a oculta (ou já ninguém se lembra de Pinochet, esse grande defensor da liberdade de expressão à força de armas, ou de Salazar, paladino da virtude libertadora do silêncio à luz de velas - pingando quentes sobre a pele -?).

Isto é João Miranda. Mas Desidério Murcho? Vejamos o que me interessa, citando:

Em conclusão, Watson pode estar a ser vítima do “politicamente correcto”. Hoje é proibido pensar que as pessoas podem ser diferentes umas das outras em capacidades cognitivas, sendo tais diferenças correlativas às suas origens genéticas. Tal como é proibido dizer que o aquecimento global não é provocado pelos seres humanos. A proibição em si é grave, pois mostra até que ponto estamos em pleno pesadelo orwelliano.

Primeira frase, o "politicamente correcto". E o que pensa o PC? Que é errado achar que as pessoas podem ser diferentes em termos de capacidade cognitiva, se estas diferenças forem causadas por diferentes origens genéticas. Abandonemos a paráfrase. O que existe de falacioso nesta frase? Não foi ainda provada uma correlação entre origem genética e capacidades cognitivas. Portanto, não há argumento racional que possa contradizer o facto de ser eticamente mais correcto achar que todos os seres humanos possuem as mesmas potencialidades a nível cognitivo, independentemente da sua origem geográfica ou étnica. E porquê? Porque a genética provou que apenas há uma raça humana, o Homo Sapiens Sapiens. Como, de resto, Desidério Murcho sabe, se esquecer por um momento a sua própria agenda anti-politicamente correcto.

O pensamento "claro e disciplinado" da filosofia deveria servir pois, antes de mais, para reflectir na razão de acreditar mais em estudos científicos que analisam a média do QI de diferentes grupos étnicos norte-americanos (a famosa Curva de Bell) do que numa evidência científica mais que comprovada. O QI, e as medições que dele se fazem, está longe de ser um valor absoluto. Já a homonogeidade genética de toda a Humanidade, ninguém com boa-fé poderá colocar em causa.

Dispenso-me a outro tipo de considerações em relação à lógica enviesada do texto de Desidério Murcho. Se a premissa é errada - a suposta cientificidade a qualquer prova dos estudos de demonstram as diferenças cognitivas de acordo com a "raça" - nenhuma argumentação pode ser considerada válida. Ou , vá lá, inteligente.

A cegueira provocada pela sanha anti-politicamente correcto é uma doença que alastrou tão rapidamente como o próprio PC (e não é estranho que a sigla maldita se confunda com o partido do mesmo nome - é a política, estúpido!). Que gente com um "pensamento claro e disciplinado" se associe (indirectamente) a nebulosos comentadores de tudo e nada, é que é surpreendente. Por vezes, é preciso pouco para despertar o monstro. Um cientista idiota e racista não é pouco.

[Sérgio Lavos]

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