19/10/07

Calar

Se envelhecer é um risco, nem quero pensar no risco que possa ser esquecer.
Esquecer o que antes sabíamos de cor. De coração. É nas entranhas que se esconde o que sabemos (nunca na memória). O instinto. Pegar numa situação, um acontecimento, e revirá-lo, de ponta a ponta, remexer, de alto a baixo, saber o que fazer com os imprevistos do dia-a-dia. Empurrar o tempo contra o tempo - de modo a que avance. Medir a tensão - em pontos de contacto, nervo - entre certo e errado. Antes, distinguir o certo e o errado. Ter a certeza de sabermos distinguir o certo e o errado.
Nunca saber é a maior sabedoria. Viver na inocência. Se o inferno é o esquecimento, a maior virtude é a ignorância. A felicidade mais certa é ignorar que uma criança sabe mais da vida que o mais sábio dos sábios. Ignorar o lugar-comum anterior (da ignorância), iludirmo-nos com o conhecimento; convencermo-nos de que a procura de conhecimento é o único sentido possível para o desejo. Tornar o cumprimento da felicidade o fito possível.
Reconhecer na palavra o limite do conhecimento. Saber que dizer a palavra não é mais do que repetir a palavra. Evitar tudo isto. Evitar. Tudo. Envelhecer. Calar a palavra. Emudecer.

[Sérgio Lavos]

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