19/10/07

Memento

O nosso amor pelas coisas pode estar ligado ao nosso amor pelas pessoas. O nosso amor pelas coisas funda-se num tempo concreto - e num rosto absoluto, de um amigo ou de uma amante. De um filho. As coisas que percorrem, desde um tempo longínquo, o caminho que percorremos. As coisas que, unidas, sobrepostas, somadas, são o próprio caminho. As coisas de que gostamos - livros, filmes, quadros. Uma paisagem, um jardim, um edifício. Em tal lugar eu amava e através do amor que sentia por ti sentia o amor pela imagem que via. "Trust". Deixavas-te cair no vazio, de olhos fechados, e eu apanhava-te. Aquele era o nosso lugar, e eu apanhava-te. Aquele era o nosso filme; nada poderá apagar o momento em que o registo foi feito: nada apaga um momento no passado em que a imagem coincidiu com o acreditávamos estar nascendo. O nosso amor pelas coisas baseia-se na mais concreta das abstrações: o amor pelo outro. Não há lugares sem emoção, sem memória. Eu recordo. Julgo que ainda recordas. Espero. O lugar em que a coisa amada e o amor se confundiram. Espaço e tempo confluindo. Caos com ordem formando-se, destacando-se, organizando-se. A crença na ordem. Nascendo.

[Sérgio Lavos]

1 comentário:

André Moura e Cunha disse...

Afflicted!
Completamente barthiano...
Abraços,
André