07/10/07

Imaginar

Para um escritor que sempre viveu da capacidade imaginativa, torna-se difícil chegar a uma fase em que a imaginação começa a escassear. O bloqueio do escritor, termo que, para muitos, descreve apenas pouca vontade de trabalhar, faz todo o sentido em alguns casos. Imagino que exista um limite para a quantidade de metáforas que um escritor consegue produzir, para a diversidade de enredos que possam surgir. Muitos resolvem o problema escrevendo sempre o mesmo livro - o que é diferente de criar um universo. Pode-se falar de coisas diferentes dentro das mesmas quatro paredes - as personagens mudam. Há quem passe uma obra inteira reescrevendo o mesmo livro - "tentar uma vez; falhar. Tentar novamente; falhar melhor". Há quem nunca tenha conseguido o fôlego da grande literatura - mas persista na afirmação da grandeza alimentado por um ego que balança entre a euforia e a amargura do fim.
Enfim.
Nada disto surge do nada. Ao ver "A Vida Interior de Martin Frost", reencontrei um amigo de longa data - e Paul Auster esteve mesmo lá, na sala de cinema, e disse algumas palavras de circunstância a propósito do seu segundo filme (se não contarmos com as experiências conjuntas com Wayne Wang, "Smoke" e "Blue in the Face").
Há uns tempos, Auster disse que "Viagens no Scriptorium" provavelmente seria o seu último livro. Nota-se o cansaço, o bloqueio criativo. Acontece muito, o escritor que se encontra nesta situação reflectir acerca da condição de escritor. Pode-se dizer que aqueles que sempre escreveram sobre isso estão em permanente bloqueio criativo. Um escritor com uma consciência demasiado aguda do acto criativo não consegue produzir com inteira liberdade. É preciso que aconteça um movimento que desloque o escritor da realidade onde ele vai resgatar a sua matéria-prima. Pairar acima do solo que sustém a obra. Efabular e deixar-se levar pelo poder encantatório da fábula.
Ou então, jogar com aquilo que nunca se esgota - a linguagem. Mas falamos de outra espécie de escritores. A mais rara.

[Sérgio Lavos]

1 comentário:

André Moura e Cunha disse...

O bloqueio e o cansaço suponho haverem-se tratado de um desabafo perante a crítica que massacrou Viagens no Scriptorium (embora nem toda, houve recensões assaz elogiosas) e, de forma mais cáustica A Vida Interior de Martin Frost.
Bom, o certo é que antes de Auster partir para San Sebastián deixou com o seu editor o manuscrito de Men in the Dark, o seu próximo romance. E repara, suponho que todos os grandes nomes da literatura contemporânea passaram por fases idênticas ao dobrar os 60 anos... (as desculpas do arco da velha que vou encontrando...)
Que tal o filme? Emeila-me se não quiseres aqui postar a tua opinião.
Abraço