(Reparo que Brando aparece duas vezes; aparecem duas louras de Hitchcock; uma loura/morena que emula as mulheres de Hitchcock; e o ideal de beleza feminina, a falsa loura Norma Jean. Que padrão é este que detecto?)
[Sérgio Lavos]
[Susana Viegas]
Um recente passeio pelo norte do Alentejo levou-nos a Elvas guiados pela curiosidade em ver a colecção de António Cachola no MACE que desde Maio ocupa o espaço da Misericórdia de Elvas. Depressa a vontade esmoreceu: ao contrário do que indicava o site do museu, a exposição encerrava às 18h e não às 20h, contratempo que nos permitia cerca de 1 minuto para circularmos pelas salas. Explicada a obtenção de informação desactualizada no site (era Domingo e a alteração vinha de 4ª feira...) e graças à boa vontade dos funcionários, foi possível fazer uma visita relâmpago à exposição. Olhando para o conjunto de artistas, reparo que metade estão ausentes, talvez emprestados a outros museus ou exposições, talvez guardados à espera da sua vez.
Fez-se notar a ausência de algumas obras, nomeadamente, A Noiva, de Joana Vasconcelos, que rumara para Nova Iorque. No entanto, era forte a sua ausência na sala do Consistório onde se via ainda o grampo deixado no tecto. Este facto revela-se positivo: ainda assim, a sua ausência permitiu imaginar o contraste interessante que terá havido entre A Noiva, lustre feito de tampões OB, e os azulejos azuis e brancos da 1ª metade do séc. XVIII que cobrem as paredes da sala, e questionar, não só o valor das obras da arte contemporânea, mas os elevados níveis de sucesso que alguns artistas portugueses alcançam e que, parece, se multiplicam por todas as bienais e exposições. Este é, aliás, um problema clássico neste tipo de colecções exclusivas de arte contemporânea. Como o tempo é bom conselheiro, só a sua passagem irá permitir a imprescindível sedimentação dos objectos expostos, distinguindo o objecto decorativo, por vezes um produto fraudulento do marketing, das obras de arte, as que sobrevivem ao nome do artista, como testemunho da própria função educativa dos museus, salvaguardando o acumular de tralha.
[Susana Viegas]
Visitar o café do bairro onde vivo a um dia de semana de manhã começa a tornar-se fundamental. A um dia do 13 de Outubro, é uma trip bestial ver o programa da Fátima Lopes e a turba de senhoras domésticas e reformados solitários que ainda não receberam o prometido telemóvel, glorificando-a acima de todas as coisas. Grita-se muito, nestes belos magazines matinais. Grita a Fátima, gritam os assistentes, gritam os convidados, gritam os repórteres de rua a entrevistar o Zé Manel que nos fala da Suíça e manda um beijinho a toda a gente lá em casa, lágrima ao canto do olho, caniche ao colo e bandeira do Glorioso numa mão, que a fé católica pode ser perfeitamente compatível com a crença sobrenatural numa entidade que ultrapassa em importância qualquer santinho, vidente ou virgem: o Benfica. Há razões perfeitamente válidas para a gritaria: as velhinhas deste país agradecem não terem de se levantar para aumentar o volume do aparelho – entre a surdez e a artrite, não é fácil a vida de um fã de Fátima Lopes.
Um senhor, emocionado, relata o último milagre da Senhora:
- Eu não via o meu sobrinho, vá lá, afilhado, há pr'aí trinta, bem, foram vinte, quer-se dizer, dez, ou seis ou sete, e encontrei-o, por acaso, numa missa ontem, à uma da manhã, estava atrás de mim, acredite (pausa para limpar a lágrima, o repórter diz: amigo, tenha calma. Respire fundo, se não não se percebe nada), acredite, Nossa Senhora foi quem fez isto, mando um beijinho para a minha filha de seis meses, e à minha esposa, que é belga, estou muito comovido...
Corte para a Fátima, passagem algures ao Algarve, onde se encontra Marco Paulo, que deve a vida à intervenção de Nossa Senhora:
- Foi graças a ela (mão no peito, rosto sofrido, olhos por detrás dos óculos escuros raiados de lágrimas) que recuperei da minha doença, devo-lhe tudo, daqui de onde estou, agradeço, que ela está aqui, a Nossa Senhora não é de Fátima, é do mundo, é do povo.
Regresso ao estúdio, alguém vai cantar, daqui a pouco publicidade e depois voltamos a Fátima, onde os milagres podem acontecer.
Não vale a pena procurar explicações para o fenómeno de Fátima noutro sítio que não seja o Portugal retrógado de 1917. Que, passados 90 anos, continua tão retrógado como era nessa época. Curiosa é a coincidência da Revolução Comunista ter acontecido na mesma época das aparições. Menos curioso é o facto das aparições terem sido utilizadas como arma política contra a emergência da nova potência comunista, a União Soviética. Imagino que as visões de Lúcia, de um apocalipse liderado pelas hordas de proletários, tenham mais a ver com a hierarquia católica ameaçada pelo ateísmo que o comunismo preconizava (apenas há lugar a um ópio para o povo, o belo ideal revolucionário propagado pelo Querido Líder), do que com algum cogumelo mágico encontrado pelos pastorinhos e pelo povaréu que se juntou ali na Cova da Iria (embora haja relatos de uma erva-do-diabo que crescia à sombra da azinheira milagrosa). Há árvores que choram, quadros de santas que sangram, cadáveres que não se decompõem, mas é difícil atingir o estado de delírio a que se chegou naquele dia. Tão delirante, tão delirante, que nem a fiável objectiva de Joshua Benoliel (por sinal, um ímpio judeu) conseguiu apanhar o milagre do Sol rodando sobre si próprio (há uma música sobre isto em “Piper at the Gates of Dawn”). Fixou-se antes na multidão de devotos, braços abertos em direcção ao céu, rostos crédulos e esfomeados esperando por um milagre que os salvasse da miséria em que viviam.
Salazar e a Igreja Católica encarregaram-se do resto. Fim da história.
Noventa anos depois, o delírio entra pelas casas dentro. E, no fundo, entre uma peregrinação a Fátima e uma visita à catedral da Luz não há muita diferença. Cada um dedica-se ao culto que mais lhe convém. E se possível, acumulando. Garantem-se assim maiores possibilidades de salvação. Amén.
(Texto originalmente publicado no irmão lúcia)
[Sérgio Lavos]
Novo vídeo para o irlandês Fionn Regan , Be good or be gone, uma espécie de anti-vídeo profissional, encontro técnico entre a montagem, perfeita, e a captação sonora, local e impura.
[Susana]