Como introdução a Paranoid Park de Gus Van Sant, fica em escuta na barra lateral a música que Nino Rota compôs para Amarcord. Pode parecer um anacronismo forçado, mas não é. É absolutamente inesperada esta homenagem ao cinema europeu mas, tendo em conta as decisões estéticas que percorrem os filmes de Van Sant, não será um anacronismo. Nino Rota compôs bandas sonoras incríveis, foi um artista que soube acompanhar o nível de outros artistas como Fellini, Zeffirelli ou Coppola. Ao onirismo de Rota, Gus Van Sant junta ainda Elliot Smith e as paisagens sonoras de Hildegard Westerkamp (que surgia, por exemplo, com os sinos de igreja de Last Days) e de Ethan Rose. Quanto à interpretação de Gabe Nevins (Alex), pouco mais haverá a acrescentar tendo em conta a unanimidade de opiniões: ele é perfeito como adolescente em expiação. Paranoid Park poderá ser a continuação temática de Elephant, a adolescência e o contacto irreversível com a morte de alguém, a ausência dos adultos nas decisões fundamentais. Como lidar com a morte de alguém quando se conhece tão pouco o outro, quando se procura viver tudo intensamente? Alex desliga-se do que está mais próximo, a culpa da morte de outra pessoa (ainda que não tenha sido voluntária), para se preocupar com o que nunca o poderá atingir, a fome em África ou a guerra no Iraque. A culpa não se exterioriza, não está fora de si nem do seu país. A culpa fica nele quando decide não contar a ninguém. Lembrando directamente Dostoievski ou Kierkegaard, é como um espinho cravado com o qual terá de viver, terá de levar para onde quer que vá. Ainda que a culpa o dilacere, pensa na fome em África e continua a sua vida interrompida de adolescente.
[Susana Viegas]
[Susana Viegas]
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