Esperamos sempre qualquer coisa, a qualquer momento, daqueles que gostamos. Dado que foi adiada, até Março, a estreia em Portugal do novo (sim, NOVO, dez anos depois) filme de Francis Ford Coppola, resta-nos o consolo de irmos lendo sobre a obra, Youth Without Youth.
Vale a pena, a surpresa e o calor podem surgir a cada frase. Na reportagem de hoje, na revista Visão, publicada originalmente na Time, a determinada altura é-nos dito que uma amiga de adolescência ofereceu a Coppola o livro de Kerouac, Pela Estrada Fora. O homem vive. E suscita em nós a inveja. Tudo bem; podíamos, de alguma maneira estranha, conseguir aplacar a inveja por não termos conseguido criar Apocalypse Now ou, vamos lá, o primeiro e o terceiro Padrinhos. Se o conhecêssemos, teríamos de reprimir a vontade de o esmurrar e substituí-la (com dificuldade) por uma sentida vénia - é assim que se deve proceder perante sua Eminência. Mas haver no passado uma enamorada (termo que nunca devia ter caído em desuso) que tem o bom-gosto de oferecer o livro de Kerouac, isso parece-me imperdoável. Inveja, inveja. E que bom sonharmos que aquela miúda de olhos verdes que, por um reflexo caprichoso de sombra, parecia olhar para nós enquanto jogávamos basquetebol no recreio, poderia um dia vencer a timidez (a nossa, claro, a nossa) e dirigir-se-nos portando um exemplar de Agulha no Palheiro nas mãos (a velha edição da Livros de Brasil, evidente). O que me aconteceu de mais parecido com este devaneio, o empréstimo de O Estrangeiro por uma colega loura por quem eu nutria pouco mais do que uma vaga simpatia (se bem que...), descambou em desastre completo. A começar pelo facto de eu achar que o interesse dela era puramente intelectual - essa coisa de debater pontos de vista sobre o livro, discutir ideias, trocar opiniões em vez de fluidos corporais; e a acabar no facto do livro ter desaparecido para sempre num vórtice que se localizava exactamente por trás do móvel encostado à cama onde dormia, um lugar tão inacessível como o é o paraíso para os grandes capitalistas e os raquíticos ignorantes. Nunca tive coragem de confessar o pequeno incidente; e ela nunca teve necessidade de me perguntar pelo livro (era loura, era virgem - só podia -, imagino o rubor que sentia de cada vez que pensava na ideia).
Coppola teve uma mulher que lhe ofereceu o livro de Kerouac e tornou-se no que se tornou. Imaginem o que me teria acontecido se alguma vez aquela morena de olhos verdes tivesse ganho coragem para se aproximar de mim com o livro de Salinger nas mãos.
Vale a pena, a surpresa e o calor podem surgir a cada frase. Na reportagem de hoje, na revista Visão, publicada originalmente na Time, a determinada altura é-nos dito que uma amiga de adolescência ofereceu a Coppola o livro de Kerouac, Pela Estrada Fora. O homem vive. E suscita em nós a inveja. Tudo bem; podíamos, de alguma maneira estranha, conseguir aplacar a inveja por não termos conseguido criar Apocalypse Now ou, vamos lá, o primeiro e o terceiro Padrinhos. Se o conhecêssemos, teríamos de reprimir a vontade de o esmurrar e substituí-la (com dificuldade) por uma sentida vénia - é assim que se deve proceder perante sua Eminência. Mas haver no passado uma enamorada (termo que nunca devia ter caído em desuso) que tem o bom-gosto de oferecer o livro de Kerouac, isso parece-me imperdoável. Inveja, inveja. E que bom sonharmos que aquela miúda de olhos verdes que, por um reflexo caprichoso de sombra, parecia olhar para nós enquanto jogávamos basquetebol no recreio, poderia um dia vencer a timidez (a nossa, claro, a nossa) e dirigir-se-nos portando um exemplar de Agulha no Palheiro nas mãos (a velha edição da Livros de Brasil, evidente). O que me aconteceu de mais parecido com este devaneio, o empréstimo de O Estrangeiro por uma colega loura por quem eu nutria pouco mais do que uma vaga simpatia (se bem que...), descambou em desastre completo. A começar pelo facto de eu achar que o interesse dela era puramente intelectual - essa coisa de debater pontos de vista sobre o livro, discutir ideias, trocar opiniões em vez de fluidos corporais; e a acabar no facto do livro ter desaparecido para sempre num vórtice que se localizava exactamente por trás do móvel encostado à cama onde dormia, um lugar tão inacessível como o é o paraíso para os grandes capitalistas e os raquíticos ignorantes. Nunca tive coragem de confessar o pequeno incidente; e ela nunca teve necessidade de me perguntar pelo livro (era loura, era virgem - só podia -, imagino o rubor que sentia de cada vez que pensava na ideia).
Coppola teve uma mulher que lhe ofereceu o livro de Kerouac e tornou-se no que se tornou. Imaginem o que me teria acontecido se alguma vez aquela morena de olhos verdes tivesse ganho coragem para se aproximar de mim com o livro de Salinger nas mãos.
(Ah, e Coppola tem a filha que tem; há homens que bem poderiam repartir a sorte que lhes calha com o resto de nós.)
[Sérgio Lavos]
Sem comentários:
Enviar um comentário