23/08/07

Os dedos de uma mão

É difícil escrever sobre os amigos depois do poema de Herberto Helder. Mais fácil será falar dos amigos que o deixaram de ser. Amigos que se afastaram, amigos de quem eu me afastei, os cinco dedos de uma mão, separados, a unidade que deixa de fazer sentido. Não há vontade suficiente, quando os encontramos por acaso, de afastar aquela desagradável sensação de familiaridade forçada. De intimidade cercada. Um esforço de conversa, as histórias a que entretanto se foi perdendo o fio, a bola. Nada resolve o problema. E se o afastamento vem de longe, desse lugar de sombras, a infância - que sentido fazia procurar mais do que as sombras projectadas que víamos? -, irremediável desastre. Somos outros, deixámos tudo pelo caminho. Nada temos a oferecer, a vida torna-se despojos das peles que fomos largando, coisa antiga. Não vejo amigos há anos, décadas. Se os visse agora, não os reconheceria. Mais que estranhos, seriam lugares a evitar, a recusar. Reencontrar amigos de infância é como caminhar entre ruínas. O frio das pedras entrando pela carne até aos ossos. Vazio sobre o vazio, um horizonte de zinco sobre as casas.

[Sérgio Lavos]

5 comentários:

Anónimo disse...

Há também os amigos que reencontramos um dia, anos depois, como se nada tivesse mudado, como se os tivéssemos visto na véspera. Esses são amigos de sempre, talvez para sempre.

N. disse...

Sinto o mesmo que tu. Eu por outras razões, faladas entre ambos. De qualquer maneira, não deixarei de fazer-te uma visita, porque mereces (és um amigo para mim), e eu também! Um abraço

pessoana disse...

Passei por aqui mas já não sei de onde vim! Obrigada pela terapia metafísica (a dos amigos e a do blogue vizinho).

António Miguel Miranda disse...

Divulgação

Mais um Blog que se tornou um Livro!

Filme da apresentação disponível no YouTube em “Camarada Choco”

www.camaradachoco.blogspot.com
www.camaradachoco.blogs.sapo.pt

Sérgio Lavos disse...

Roteia:
esses amigos, raros, merecem outro texto. Mas são raros, muito raros.

Nuno:
o que posso eu dizer? Para quando um café em CO?

pessoana:
de nada, a terapia é para mim mesmo, antes de mais.