25/08/07

Eduardo Prado Coelho (1944-2007)

Nos apontamentos dos blogues a propósito de Eduardo Prado Coelho, alguma frieza e distância. Imagino mesmo que alguns dos que o lembraram tenham escrito textos nada simpáticos a propósito de uma ou outra crónica do "intelectual mais influente dos últimos 25 anos", de acordo com Eduardo Pitta.
O tom neutro denuncia quase sempre dois sentimentos: respeito pela importância no meio e discordância pela atitude. E o pudor, o raio do pudor perante a morte. Disserto sobre a incerteza. A verdade é que lia o EPC vai para quinze anos, primeiro na crónica semanal do suplemento Mil Folhas (e do seu percursor no Público) e depois nas crónicas do Fio do Horizonte. Quase sempre com interesse. Mas a maior parte das vezes descortinando mais do que o bom senso de alguém com poder em certos meios; o tactear de sensibilidades em que Prado Coelho se tornou perito valeu a inimizade de metade da blogosfera, sempre tão pronta a criticar quem está do outro lado - os que beneficiam da projecção dos meios de comunicação tradicionais. Prado Coelho respondeu sempre à agressividade dos bloggers com ferocidade mais ou menos ressentida. Ninguém conseguiu tocá-lo, muito menos desacreditá-lo. A ideia que passou para quem não conhece o meio é que os que dele dependiam sempre conseguiram protegê-lo da crítica e do descrédito. O que fica, então? Uma obra académica menos valorizada do que devia, consequência da exposição mediática diária a que o autor foi sujeito durante demasiado tempo.
A familiaridade artificial proporcionada pelo contacto diário com a escrita muitas vezes intimista de Prado Coelho levou a que sentisse a sua morte quase como o desaparecimento de alguém que conhecia pessoalmente. A morte de um hábito - e será pouco, isto?

[Sérgio Lavos]

4 comentários:

LEÃO DA ESTRELA disse...

Quando se diz que o Sporting é um clube das elites, isso também tem muito a ver com o facto de ter adeptos e simpatizantes intelectuais como EPC, sem pejo de assumir que gostam de futebol e que têm um clube. EPC, que cultivava uma atitude aristocrática, não tinha preconceitos pseudo-intelectuais. Era capaz de escrever sobre o “nosso” Sporting e, mesmo assim, ser lido por quem detesta futebol. Porque quando escrevia sobre futebol abordava o fenómeno como uma pessoa normal. Com coração, cabeça e estômago. Também por isso, sendo um homem assumidamente de esquerda, chegando, às vezes, a escrever como se de um “spin doctor” do PS se tratasse, era lido e respeitado em todos os quadrantes políticos. Porque era livre nas suas escolhas, nos seus elogios e nas suas críticas. Desde a fundação do jornal “Público”, em 1990, EPC escrevia diariamente sobre as grandezas e as misérias da cultura, da política e da sociedade portuguesas, a partir dos episódios do quotidiano. Tinha amigos de estimação. E inimigos também. Como qualquer ser humano marcante e perene.

Anónimo disse...

É o espírito que percorre o mundo académico desde que há memória: os mais novos tentando descredibilizar os mais velhos. Nem sempre há vencedores, mas quase sempre derrotados.

Anónimo disse...

Dele próprio dizia «ser terrível, nostálgica, desesperada e furiosamente moderno no interior da pós-modernidade em que todos vivemos». Revejo-me nesse mesmo espelho, embora, talvez, sem a atracção pela vertigem intelectual que não lhe permitia fixar a sua posição numa cena também ela muito movediça. Por onde começar agora a ler o «Público» que tão pouco já tem que ler?

Anónimo disse...

"A morte de um hábito - e será pouco, isto?"
Bela frase. Uma ideia a revolver.
Excelente post e respectivos comentários.
Adeus Eduardo Prado Coelho, afinal não sou só eu que estou de luto.