Nos meus textos anteriores sobre os blogues, o que parece ter feito mais impressão a quem já anda por aqui há muito mais tempo que eu foi a reafirmação dos blogues como uma novidade no espaço público, com todas as consequências que este facto acarreta. Tanto Carlos Leone, como outros que decidiram comentar os textos, publicamente mas sem vontade de se referirem directamente às entradas em causa – estão no seu direito, de resto; por isso, sem entrar em desnecessárias paranóias, utilizo a mesma técnica desses críticos -, concentram a suas ressalvas no facto de a maior parte dos bloggers que valem a pena não serem neófitos na sua intervenção no espaço público. Nada de novo para mim, garanto, mas o facto não enfraquece muito o que antes escrevi. Por exemplo: gostei de conhecer os e-zines ZonaNon e Non!, e de saber que aqueles que agora leio já há muito intervinham criticamente a partir de um meio virtual. A questão é saber até que ponto estes fanzines não replicavam (e replicam) os tiques e defeitos das publicações académicas convencionais. E também avaliarmos correctamente o impacto real que tiveram no espaço público. Se o fanzine costuma ser, por definição, uma publicação independente que junta um conjunto de pessoas com interesses comuns com um desejo de editar de uma maneira verdadeiramente livre e ausente de restrições (tais como as leis do mercado ou as pressões editoriais de um media convencional), tendo como potencial leitor um público restrito, a sua versão virtual tem – e tinha – uma esfera de influência ainda mais rarefeita, parece-me. Precisamente a principal crítica que é dirigida à blogosfera, de resto. Não será uma contradição? A verdade é que são cada vez mais os jornais que citam blogues ou que tem blogues que complementam a função tradicional dos jornais. Os jornais são obrigados a falar dos blogues, porque a blogosfera se tornou notícia. Apesar das reticências e da reduzida vontade de quem escreve nos jornais e opina na televisão. Um e-zine será, portanto, um equivalente do tradicional fanzine, com poucas inovações em relação a este. Sem diversas vantagens que a blogosfera apresenta: a possibilidade de interactividade imediata com o leitor; a inexistência de periodicidade nos artigos publicados, com o consequente acompanhamento da actualidade em cima da hora; a liberalização completa do espaço opinativo – os e-zines não deixavam de funcionar como um grupo fechado, um clube, em que cada artigo se encerrava depois do último ponto final. Um e-zine não passaria de uma réplica do fanzine, assim com as revistas virtuais são uma réplica das revistas publicadas em papel. O blogue é um meio completamente novo, como é o fenómeno My Space – é uma espécie de ilha em permanente contacto com o resto do arquipélago, ou, se quisermos, o rizoma de Gilles Deleuze concretizado quase na perfeição; a informação circula em rede, e não de cima para baixo, em pirâmide. Cada nódulo da rede aparenta ter a mesma importância que o seguinte. Será uma ilusão, sabemos, porque os sitemeters e o technorati fazem a lei do blogueiro, mas uma ilusão que imita na perfeição a democracia total. Atribuir demasiada importância a um fenómeno que permite a mediocridade, o caceteirismo e o pior que os outras plataformas antes permitiram? A multiplicação de notícias e opiniões de quem ainda não aderiu (ver, por exemplo, as entrevistas de Luís Carmelo no Miniscente) assim não o indiciam.
Como já escrevi antes, é difícil falar de um fenómeno que está a acontecer agora sem cometer diversos erros. As razões são várias, a começar pelo desconhecimento parcial do todo de que se fala – é uma impossibilidade, convenhamos, conhecer tudo que se fez antes ou se está fazer neste momento. Admitir as dificuldades pode conduzir a duas coisas: à doce ironia pós-moderna que desdenha de tudo, ao ponto da desvalorização daquilo que se produz. Nada importa, é certo. Ou melhor, o que importa é apenas a matéria. Desconfio que a blogosfera apenas será valorizada por muitos daqueles que agora a desdenham quando manter um blogue significar obter dividendos, quando precisarmos de pagar para ler os nossos blogues preferidos. O artigo de hoje, no Público, sobre a publicidade, directa e indirecta, na blogosfera, antecipa o futuro. Carlos Pinto Coelho diz, no Miniscente, que a auto-regulação é normal na blogosfera. Concordo. Mas antes essa auto-regulação do que a regulação de outros poderes, incluindo o mais difuso de todos, o dinheiro.
A segunda possibilidade implica o erro, obrigatoriamente. Errar é também expor o flanco, admitindo o ataque de todos os que se limitam a apontar o erro dos outros. Prefiro esta segunda hipótese. Não sou relativista.
[Sérgio Lavos]
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