15/09/06

Mário Soares

Com a velocidade habitual nestas coisas, falou-se e deixou-se de falar por essa blogosfera fora do programa Prós e Contras dedicado ao "11 de Setembro". Os blogues de direita fizeram a festa, servindo-se de Mário Soares para bombo da festa como se não houvesse amanhã. Os blogues de esquerda pouco reclamaram - com a excepção d'O Franco Atirador, mantido por alguém que afirma ser de esquerda às vezes. Na verdade, não surpreende o silêncio. Na verdade, a prestação de Mário Soares foi lamentável. Por todas as razões e mais alguma, mas principalmente porque defendeu da pior maneira possível uma posição muito mais confortável, em termos éticos, do que aquela que Pacheco Pereira defendia.
Afinal, o que conta? A imagem que Soares passa agora, atabalhoado, perdido, incapaz de articular mais de duas ideias seguidas, esforçando-se a qualquer custo por manter-se à tona em território hostil, ou a ideia que fazemos de Soares como pai da nação? Ou, de outro modo, que tempo conta, que história havemos de contar? Quem se atreve a defendê-lo fala apenas do passado. Da herança que ele deixou ao país. Portanto, colocam-se os defensores de Soares do lado dos seus adversários: Soares não é deste tempo. Já não era quando decidiu concorrer a Presidente pela terceira vez, e o debate de Segunda-Feira passada terá sido a prova final do facto.
Outra história que circula, o debate que se levantou a propósito do absurdo Criacionismo - que, bem-vistas as coisas, tem tudo que ver com Mário Soares. Mais cedo ou mais tarde, os ventos do retrocesso que sopram da cada vez mais conservadora América tinham que chegar à Europa e à religião católica. Li, escrito por João Miranda no blogue Blasfémias, o texto que faz a justa passagem da Física para a Metafísica que a controvérsia pressupõe. Escreve João Miranda a determinada altura: "Como é que Paulo Gama Mota prova que o tempo existe?" E pergunto eu: como é que João Miranda prova que ele próprio existe? Ou melhor, por não podermos provar a existência de Deus (tempo), isso significa que ele não existe? E foram tantos os que estiveram perto de provar, de Espinosa a Kierkegaard, mas sempre recorrendo a modelos lógicos imbatíveis, tão habilmente construídos como facilmente desmontáveis pela lógica que os produziu.
Que tempo conta, então, o presente que vivemos ou o passado em que acreditamos? Apenas o que vivemos agora parece credível mas, hélas, existe a memória. A honra que Mário Soares merece, por ter feito possível o nosso presente, é manchada pelo presente a que temos direito. A melancolia da decadência já foi tantas vezes recriada pela Arte que se tornou um cliché pós-moderno. Apenas Mário Soares não percebeu isto. E não se retirou do mundo que já não precisa dele.

[Sérgio Lavos]

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