"Nunca a conheci em vida. Ela existe para mim através dos outros, nos sentidos em que a morte dela os impeliu."
Esta é a primeira frase do romance de James Ellroy, "A Dália Negra" (a que eu retiraria o artigo ao traduzir o original "Black Dhalia", mas enfim...), acabado de sair em nova edição na Presença, depois de estar durante anos esgotada a primeira edição em português. Se uma frase, caro André, valesse por um livro, seria sempre a primeira. Define o tom e o sentido, obriga o escritor a seguir por um só caminho, num ritmo apenas; de contrário, o livro não presta - e afirmo isto como se falasse de alguém vivo. A repulsa que um mau livro pode provocar pode ser tão agoniante como aquela que o desprezo motiva. No caso do romance de James Ellroy, isto é, evidente, verdade. Porque a carga simbólica da primeira fase apenas reforça a ideia de que estamos perante um grande livro. Tudo aparência? Uma gigantesca encenação, e isso é um prazer enorme. Um livro que se rege pelos velhos códigos do policial "noir" (Mickey Spillane à cabeça), mas com um twist: não é apenas um policial. É um retrato que apenas podemos acreditar realista - e, desse modo, violento até à náusea - da cidade de Los Angeles depois da Segunda Guerra Mundial. A Los Angeles que aprendemos a ver em filmes como "Sunset Boulevard", em que o crime coabita de forma macabra com o glamour de Hollywood - o placard sobranceiro é presença fantasmática ao longo do livro. E marcante para o desfecho do mesmo. A Los Angeles que é, de passagem, evocada por David Lynch em "Mulholland Drive". A Betty Short que morre assassinada podia ser a inocente Betty do filme de Lynch; a Madeleine de Ellroy é um fantasma da Madeleine de Hitchcock - a mulher que vive duas vezes.
O filme, realizado por Brian de Palma, vem a caminho. Apesar da decepção em Veneza, será difícil não ser um bom filme - e ninguém melhor que o vampiro de Palma para captar todas as referências no livro de Ellroy - e que Lynch tão bem aproveitou. A decadência com estilo. Será isso?
[Sérgio Lavos]
O filme, realizado por Brian de Palma, vem a caminho. Apesar da decepção em Veneza, será difícil não ser um bom filme - e ninguém melhor que o vampiro de Palma para captar todas as referências no livro de Ellroy - e que Lynch tão bem aproveitou. A decadência com estilo. Será isso?
[Sérgio Lavos]
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