Enrique Vila-Matas, em vários dos seus escritos, fala enfaticamente do clima sufocante que se vivia na sua Barcelona natal durante os anos de franquismo. Diz ele que não era só a ditadura em plena carburação, era algo mais que isso, que a censura, a polícia política ou a falta de liberdade em geral. Era uma sensação de estagnação, de paragem no tempo. Montálban também escreveu sobre este sentimento, e de resto não faltam escritores espanhóis sem vergonha de tratar o tema como ele o merece, sem pudor em relacionar a memória individual com a memória de um povo, o melhor modo talvez de evitar que a História se repita.
Antes de sair deste país por alguns dias, corria subterraneamente - quase só na blogosfera portuguesa - uma polémica sobre a classificação de regimes do século passado. Teria Portugal passado por uma ditadura fascista, semelhante ao regime de Mussolini ou ao Nacional-Socialismo de Hitler?
No regresso ao país que abandonei por alguns dias, percebi a razão do súbito revisionismo miniaturista que acometeu alguns historiadores - Rui Ramos e Vasco Pulido Valente à cabeça. A sua conotação com a direita pouco interessa para o caso, até porque ambos se afirmam herdeiros de uma tradição liberal que pouco quer ter que ver com qualquer tendência revisionista da História. Durante o voo, a 9000 metros de altitude, indícios tenebrosos somavam-se: o fumo dos fogos erguendo-se em direcção ao céu, o horror do desarranjo urbanístico das povoações lusas, o monstro de betão adormecido no pulmão chamado Arrábida, a dois passos de Lisboa. Foi enquanto esperava por um transporte público - e tive bastante tempo para esperar, como quase sempre - que me atingiu com gravidade o verdadeiro significado das palavras dos escritores espanhóis que lera. A opressão, o sufoco, a sensação de país sem futuro, e a nítida certeza que nem o excesso de dramatismo pode salvar o que ainda há para salvar, tudo isso parece repetir-se ainda, trinta e dois anos depois do "regime conservador e católico" que nos quebrou o ritmo do passo durante 48 anos. Aqui ao lado, apenas em Madrid se fazem sentir os resquícios da ditadura, na forma dos velhos saudosistas que se juntam ao fim do dia em cafés onde empregados idosos atendem com maneiras subservientes os senhores de outros tempos. Barcelona parece ter sido catapultada a outra era, que em nada se parece com a cidade que Vila-Matas gosta de recordar nos seus textos. Tudo vive, nela.
O ânimo catalão contrasta tristemente com a melancolia derrotada dos portugueses. Somos um povo feio. Feio, porque vivemos derreados por uma herança de velhas beatas e senhores da terra enriquecendo à custa dos iletrados que nem força têm para se revoltar. A ditadura em Portugal foi amena. Porque amenos foram os que sofreram na pele as suas agruras. Vivemos, passado todo este tempo, no mesmo irrespirável ar. O que sufoca agora é o crédito a pagar ao fim do mês, o emprego mal-remunerado que se tem de manter, a ameaça dos herdeiros da classe que domina o país há demasiado tempo: a burguesia, mesquinha, amedrontada e sem qualquer ideia de rumo para o país. Parafraseando Pulido Valente, leia-se Eça para se perceber isto.
E isto, para quem está fora apenas alguns dias, sente-se. E isto, meus amigos, cansa.
Antes de sair deste país por alguns dias, corria subterraneamente - quase só na blogosfera portuguesa - uma polémica sobre a classificação de regimes do século passado. Teria Portugal passado por uma ditadura fascista, semelhante ao regime de Mussolini ou ao Nacional-Socialismo de Hitler?
No regresso ao país que abandonei por alguns dias, percebi a razão do súbito revisionismo miniaturista que acometeu alguns historiadores - Rui Ramos e Vasco Pulido Valente à cabeça. A sua conotação com a direita pouco interessa para o caso, até porque ambos se afirmam herdeiros de uma tradição liberal que pouco quer ter que ver com qualquer tendência revisionista da História. Durante o voo, a 9000 metros de altitude, indícios tenebrosos somavam-se: o fumo dos fogos erguendo-se em direcção ao céu, o horror do desarranjo urbanístico das povoações lusas, o monstro de betão adormecido no pulmão chamado Arrábida, a dois passos de Lisboa. Foi enquanto esperava por um transporte público - e tive bastante tempo para esperar, como quase sempre - que me atingiu com gravidade o verdadeiro significado das palavras dos escritores espanhóis que lera. A opressão, o sufoco, a sensação de país sem futuro, e a nítida certeza que nem o excesso de dramatismo pode salvar o que ainda há para salvar, tudo isso parece repetir-se ainda, trinta e dois anos depois do "regime conservador e católico" que nos quebrou o ritmo do passo durante 48 anos. Aqui ao lado, apenas em Madrid se fazem sentir os resquícios da ditadura, na forma dos velhos saudosistas que se juntam ao fim do dia em cafés onde empregados idosos atendem com maneiras subservientes os senhores de outros tempos. Barcelona parece ter sido catapultada a outra era, que em nada se parece com a cidade que Vila-Matas gosta de recordar nos seus textos. Tudo vive, nela.
O ânimo catalão contrasta tristemente com a melancolia derrotada dos portugueses. Somos um povo feio. Feio, porque vivemos derreados por uma herança de velhas beatas e senhores da terra enriquecendo à custa dos iletrados que nem força têm para se revoltar. A ditadura em Portugal foi amena. Porque amenos foram os que sofreram na pele as suas agruras. Vivemos, passado todo este tempo, no mesmo irrespirável ar. O que sufoca agora é o crédito a pagar ao fim do mês, o emprego mal-remunerado que se tem de manter, a ameaça dos herdeiros da classe que domina o país há demasiado tempo: a burguesia, mesquinha, amedrontada e sem qualquer ideia de rumo para o país. Parafraseando Pulido Valente, leia-se Eça para se perceber isto.
E isto, para quem está fora apenas alguns dias, sente-se. E isto, meus amigos, cansa.
[SL)
Sem comentários:
Enviar um comentário