23/08/06

A janela virtual

"There is an idea of a Patrick Bateman; some kind of abstraction. But there is no real me: only an entity, something illusory. And though I can hide my cold gaze, and you can shake my hand and feel flesh gripping yours and maybe you can even sense our lifestyles are probably comparable... I simply am not there."

Filmes como O Psicopata Americano levam-nos a pensar que alguns termos genéricos como “maquiavélico” deixam de fazer sentido, perdem a sua força. O filme de Mary Harron vale pelo romance que adapta e pela personagem de Patrick Bateman (Christian Bale). A personagem encarnada por Christian Bale está para além do Bem e do Mal, longe do maniqueísmo tradicional. Na verdade, Bateman é uma verdadeira entidade pós-moderna na mais pura acepção do conceito: a identidade da personagem não tem uma linha divisória entre exterior e interior, entre corpo e consciência, enquanto espectador do seu próprio corpo, corpo-máquina, controlado. Destaco a excelente cena em que Bateman, ou melhor, Bret Easton Ellis (os méritos recaem no cinismo deste) descreve a rotina diária de higiene pessoal com uma sucessão de cremes, loções, hidratantes, esfoliantes, cada um com uma função bem definida mas todos trabalhando para o todo, o corpo virtualizado. A máscara de menta refrescante diz tudo: corpo asséptico. Mas, além destes rituais de limpeza, deparamo-nos com o exercício físico, o fortalecimento dos músculos, o bom gosto gastronómico, etc. Ele optimiza o corpo físico para simplesmente passar o dia na inércia física, sentado no escritório - aqui o corpo não é senão uma janela virtual (Zizek desenvolve este conceito em Lacrimae Rerum a respeito do ciberespaço). Esta virtualização do corpo é também evidente no final, quando Bateman, não suportando o peso da consciência, peso superior ao mal-estar do corpo, conta ao advogado todos os crimes cometidos incluindo Paul Allen (Jared Leto). O advogado não pode acreditar na brincadeira dele porque encontrara Allen em Londres e ele não estava morto. O advogado, e outras cenas durante o filme repetem esta ideia, não identifica o nome a um corpo; os yuppies diluem-se na repetição, são uma lista de nomes, não de rostos ou identidades. Não há corpo de Paul Allen ou de Patrick Batemann, só nomes. Normalmente, esta cena teria uma carga psicológica fortemente trágica, de descrença nos valores morais ou do próprio sujeito, mas, para Bret Easton Ellis, ela é um hilariante elemento pós-moderno.

[Susana Viegas]

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