23/08/06

O crítico responde

Não é todos os dias que um (hipotético) visado por um pequeno texto que, a meu ver, trata do aleatório - as tão discutidas, e discutíveis, estrelas -, deixando o essencial completamente de lado, decide responder directamente à interpelação, explicando-se. Luís Miguel Oliveira, crítico do Público, insurge-se com algo que nem merecia o trabalho do post - o gosto do crítico. Não vale a pena discutir se Os Piratas das Caraíbas é melhor ou pior do que Miami Vice. O crítico, parece-me, tem sempre a seu favor um princípio inabalável: o seu gosto pessoal. Isto é intocável, por duas razões principais: não há pensamento crítico que não se funde neste princípio; e o gosto individual, numa democracia mediática, torna o espaço de opinião plural. Quem procura o gosto do crítico nos jornais sabe que vai encontrar diferentes vozes e diferentes modos de pensar o cinema; há quem goste sobretudo de cinema americano - independente ou o produzido pelos grandes estúdios -, há quem prefira o cinema europeu, há quem seja intransigente na defesa da produção nacional, há quem a despreze, há de tudo para todos os gostos. E quem se dá ao trabalho de ler os críticos sabe disso. Sabemos o que esperar. Há surpresas, claro, de que "Miami Vice" será o exemplo mais recente. Como escrevi numa entrada anterior, a unanimidade da crítica levou-me à sala de cinema para ver um objecto que, à partida, não me interessaria. Não confirmei as expectativas, Michael Mann só sabe fazer filmes de meias-tintas, a meio-caminho entre a obra-prima e o filme de autor falhado. Eu posso dizer isto sem problemas no meu blogue. É uma opinião, é um gosto estético. Mas o crítico, é claro, também pode. Ainda que a crítica se possa confundir com publicidade. A crítica é publicidade, quase sempre. Negativa ou positiva, mas publicidade, porque é produzida para fora, para o Outro, pelo crítico que sabe que o que escreve pode influenciar o êxito da obra criticada. O jogo da crítica é assim mesmo, qualquer objecção que ponha em causa o jogo é conversa de café improfícua. Eis a distinção fundamental entre crítica jornalística e teoria crítica. A complexidade da segunda torna-a ao mesmo tempo absoluta e discutível em termos de fundamentos; a teoria crítica, quando bem feita, rejeita o gosto crítico de primeiro grau e pensa a obra estudada. A crítica jornalística não tem tempo nem espaço para o fazer. O seu principal suporte é o gosto estético imediato, e o seu primeiro fundamento outros objectos artísticos comparáveis. Não precisa da teoria para nada - contudo, esta distingue os bons críticos dos outros. Em conjunto com o próprio texto e o prazer que provoca no leitor, a arte de bem manusear as palavras - com toda a subjectividade que esta ideia pode esconder.

[Sérgio Lavos]

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