18/08/06

Miami Vice

Aí está um filme que me teria passado completamente ao lado se não fosse o esforço entusiástico da maior parte da nossa crítica. Quem se interessa pelo lado mais negro dos anos 8o terá motivos sinceros para se deslocar a uma sala de cinema, desembolsar cinco ou seis euros e sentar-se descansadamente, olho no grande écrã e memória perdida nas tardes de Sábado afundadas no sofá devorando série atrás de série. No meu caso, preferia esquecer que alguma vez gostei de David Hasselhoff e do seu fiel Kit, mas provavelmente vou ter de esperar até que o tempo faça isso. Azar. Don Johnson, disse?
Pois é, Don Johnson. Vinte anos depois, reciclamos o homem e temos um Colin Farrell hirto e simiesco passeando um charme chunga e oleoso por uma Miami brilhante e de alta definição, captada em toda a sua decadência tropical pela câmara de Michael Mann. É pouco? Queria dizer que não, mas é. A banalidade da história e os constrangedores momentos de intimismo protagonizados pelo cepo Farrell mancham irremediavelmente a pintura. Gong Li, entrando na curva da cativante beleza dos quarenta, consegue, apesar de tudo, salvar muitas cenas. Apesar do sotaque, apesar da inverosimilhança das situações, apesar do seu ar frágil, tão distante do mundo dos cartéis de droga como o filme está de ser uma obra-prima. Jamie Foxx também anda por lá, e consegue ser discreto, o que acaba por ser uma virtude; consegue o feito de repetir quase palavra por palavra a mesma deixa duas vezes no filme. E não me parece que seja um efeito voluntário do argumento - não, não é, de certeza.
Os críticos, então. O que lhes deu? Chegar ao ponto, como fez João Lopes, de escrever um texto a justificar a classificação dada ao filme? Potencialidade plena do digital? O que me parece é que apenas a fotografia beneficia do toque granulado das câmaras digitais. Os tons quentes da cidade, os néons de noite, o sol de dia, uma tempestade eléctrica, a curta panorâmica espreitando por cima do ombro de Foxx a determinada altura, tudo notável, sem dúvida. Mas apenas isto. A profundidade de campo atingida em algumas cenas não é uma figura de estilo, como acontece por exemplo em Orson Welles, mas sim um pormenor quase acidental. Os cenários enchem-se com os primeiros planos; dos rostos, dos corpos, das armas, do sangue salpicando dos vilões. Até nisto, imagine-se, até nisto. Apenas estes morrem. Plano, sem intensidade nem pathos.
Os críticos, portanto. Terá sido a presença de Ana Cristina Oliveira numa breve (e fulminante) aparição, logo no início do filme?

[SL]

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