O ponto mais interessante do conjunto de questões colocadas por Carlos Leone é o ponto 6, onde é referida a pouca profundidade que uma análise aos blogues na actualidade pode ter, consequência normal da natureza do fenómeno, muito recente e ainda em progresso. É difícil saber o que irá acontecer no futuro, mas podemos tentar imaginar, como Carlos Leone faz. Parece-me que os blogues se podem inserir numa revolução mais vasta ao nível da comunicação entre pessoas, em primeira instância, assim como nos próprios media tal como os conhecemos. Não será necessária muita imaginação para pensarmos num futuro sem imprensa escrita, em que a informação circula apenas na Internet e na televisão, sendo que a segunda será um prolongamento natural da primeira, como aliás já começa a acontecer. Tenho lido na blogosfera, nos últimos tempos, alguma reflexão, principalmente de jornalistas, a propósito da mudança a que se assiste no meio mediático, mas tudo o que li esquece o essencial: a prazo, os jornais e as revistas irão deixar de existir. Contudo, também não será difícil imaginar a resposta de quem controla agora os meios de comunicação social à mudança: restrições e controlo da informação. A verdade é que a Internet, nos seus primórdios, já foi muito mais livre do que é actualmente, e a tendência irá no sentido de um acesso mais dificultado à informação e mais ruído na comunicação estabelecida. Exemplos? O controlo estatal dos conteúdos do Google na China e noutras ditaduras e a perseguição feroz a quem infringe os direitos de autor na Internet. (Diga-se que apenas se pode concordar em teoria com isto. Neste caso, posso lembrar Agostinho da Silva e o seu desprendimento em relação à obra produzida e aos direitos de autor; haverá acto mais livre do que este?) O monopólio da Microsoft é outro sintoma desta “liberdade restringida” que a Internet permite. Não devemos ter portanto ilusões acerca disto: o futuro trará uma Internet controlada pelos governos, no caso dos regimes autoritários, e pelas grandes corporações, no caso das democracias. Tal como acontece actualmente nos media tradicionais.
Os blogues, seja qual for a forma tomada no futuro, irão ser um meio fundamental de produzir, acima de tudo, opinião. E a opinião é, em todas as suas variantes, uma forma de participação. E um prolongamento natural dos meios de comunicação tradicionais. Perigoso para estes e para as regências clássicas na relação entre pessoas. Os blogues, actualmente, servem muitas vezes de naturais vigilantes da informação produzida pelos media e da opinião emitida pelos comentadores. Com todos os excessos que este facto pode implicar. O “marialvismo” e o “caceteirismo”, o espírito de clube não são mais do que a imitação da realidade fora dos blogues. O que antes pertencia apenas à esfera privada passou a ter uma maior visibilidade no espaço público. A Praça Pública, da SIC-Notícias, ou o fórum da TSF são êmulos do “caceteirismo” que existe na blogosfera. É de notar que estes aspectos negativos da blogosfera acontecem sobretudo em blogues de conteúdo político, o que não é pura coincidência. Há uma vontade de grande parte da opinião pública de participar mais activamente no processo político, de transcender as limitações que a democracia representativa não consegue ultrapassar. Pena é que quase sempre esta vontade de participar imita os piores excessos da política e seja o espelho claro do nível de literacia que existe no país. Sobre este assunto, queria apenas acrescentar que o debate entre os blogues "Dicionário do Diabo" e "Blogue de Esquerda" foi bastante vivo e interessante até determinada altura, quando se pisou a linha que separa a polémica do insulto gratuito. Mas aconteceu esporadicamente nos blogues como acontece na política e na elite cultural. Em alguns meios, o gosto polémico é inclusive valorizado – veja-se o caso do saudosismo – que eu partilho – em relação a uma figura como Luiz Pacheco. Um mundo sem polémicas, diatribes e ódios de estimação padeceria da doença mais grave da existência: o tédio.
Não gostaria de prolongar muito esta entrada, mas responderei a todas as questões levantadas pelo post de Carlos Leone noutros textos que se seguirão. Esclareço apenas que a distinção que fiz entre os nomes que refiro nada tem a ver com política. Teria mais a ver com visibilidade, mas aqui falhei no nome de Luís Rainha, ao incluí-lo no segundo grupo. O segundo grupo inclui nomes que já antes tinham bastante visibilidade, tendo sido os blogues apenas um prolongamento dessa visibilidade, com toda a liberdade formal que esta realidade permite. Agora, Rui Tavares deve muita da sua notoriedade (e do êxito do seu livro, porque não?) ao blogue em que participou, na altura campeão de audiência. Quanto a João Pedro George, ele próprio com certeza admitirá que o blogue lhe permitiu uma liberdade crítica que não tinha em mais nenhum lugar – o exemplo terá sido a censura (?) que ele sofreu quando escrevia na revista “Os Meus Livros”, relatada numa entrada do blogue, primeiro, depois publicada em livro. Quanto a Carlos Leone, posso admitir o que será talvez uma falta minha: não o conhecia, nem aos livros que – agora sei – já tinha publicado. E aí, dou-lhe razão. Os blogues não permitem uma legibilidade, antes uma visibilidade que outros meios não têm. E isso é mau?
(Continua)
[Sérgio Lavos]