03/03/08

Um beijo e uma memória

Queria ter começado este blogue com um texto sobre o tempo (lá fora). Queria, de resto, ter continuado este blogue mantendo uma proximidade com o mundo que corre (lá fora); situar-me. O blogue não me ajuda a localizar, não é um mapa. Saber que no dia 3 de Março de 2006 esteve a chover ou que o sol se atreveu a reaparecer seria, desconfio, indício fiável de nada. Saber que hoje, por exemplo, morreu Maria Gabriela Llansol, não adianta nem atrasa a existência deste blogue. Porque eu posso falar por ele. Mas ele não pode falar por si próprio, independente do tempo no qual vai sendo escrito. Relativizando, relativizando, o único caminho a seguir antes que comece a falar de mim na 3ª pessoa. Adiante; um texto (com espaço, traço, e tudo) de Llansol, que eu nunca soube ler como devia:

Poderia estar com os rapazes, no sonho da aula, na cova do povoado. Mas terá, sozinha, um confronto com a leitura; a casa que havia na cidade soltou-a, nessa noite, no campo _______ puro de toda a densidade que não seja o tempo.
É sobre o tempo, hoje, que vai ler. "O percurso, até chegar à lição de leitura, é meu". Partes do livro terão um corpo que, ao fim da hora concluída de leitura, lhe será entregue. Ao fim do sussurro de ler, operou-se a metamorfose de Myriam em Témia _______ muito mais tarde, quando for lido, e o dia estiver eventualmente iluminado por uma vela.

(Um Beijo Dado Mais Tarde, ed. Rolim, 1991)

[Sérgio Lavos]

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