25/03/08

Protection/Massive Attack



Há sempre um vídeo de Michel Gondry que nos surpreende, de cada vez que o vimos. É inestimável a imaginação do realizador francês, um tesouro precioso que ele tem a boa-vontade de partilhar com os fãs de músicos como White Stripes, Rolling Stones ou Bjork. É pena que a fragmentação criativa que é marca nos vídeos não resulte bem nas longas-metragens (com a excepção de Eternal Sunshine of the Spotless Mind); mas, se pensarmos bem, a riqueza imagética de Gondry, composta de autênticos puzzles freudianos e oníricos, dificilmente se adequa à linguagem do cinema, no qual o tempo e a duração têm de ser, obrigatoriamente, mais importantes que as ideias por metro quadrado. Por outro lado, existem tantas camadas nas curtas de Gondry que estas acabam por facilmente perdurar tanto como os filmes.
Neste vídeo, feito para Protection, dos Massive Attack, o ponto de partida é simples, mas difícil de concretizar: um plano sequência que vai mostrando vários apartamentos de um prédio, os seus habitantes e as diversas actividades que vão acontecendo. O cenário gigantesco tem um ar postiço (chega-se a ver uma rua a abanar, assim como várias partes do prédio), mas a ideia é mesmo essa; no fundo, estamos dentro da cabeça de uma criança ou de um sonho de adulto que não ultrapassou a infância. O livro de Georges Perec, A Vida - Modo de Usar, e a sua metáfora da vida enquanto miniatura manipulável por um coleccionador de puzzles, não terá andado longe dos pensamentos de Gondry quando fazia o vídeo. Mas o que é mais espantoso é a destreza técnica que faz encaixar o real e o sonhado, a banalidade e a súbita intrusão do surreal em cada apartamento. E a dança entre câmara e acção, coordenada ao segundo, até ao fim, mesmo depois da música ter terminado, quando entramos num carro e apenas se ouve o som dos limpa para-brisas na noite chuvosa; o falso silêncio que se segue ao caos - e que espelha o efeito que aparece antes da música começar. O fechar do círculo. Perfeito.

[Sérgio Lavos]

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