12/03/08

Túneis

Alberto Manguel, uma certa tarde perdida e um homem cego a entrar com o sol, decidido. Bastou uma simples conjunção de circunstâncias para um homem dedicar uma vida aos livros, ao perverso fétiche da sabedoria; na realidade, o saber. Jorge Luis Borges, de porte altivo, esbatendo a planura branca dos olhos, precisava de alguém que lhe lesse. Precisava de alguém que lhe contasse as histórias que lhe serviam de sangue para as suas próprias histórias (memórias?). Ninguém melhor, para satisfazer os seus caprichos, do que aquela voz de adolescente à procura. O paraíso que Borges desejava, a biblioteca transcendental, aconteceu-lhe em vida. Desconfio. A sua biblioteca era mental; todos os livros que lera, todos os livros que lhe leram, todos os livros que escrevera, todos os que não escrevera. As estantes de Babel repletas de livros que sonhava ler, a eternidade. Manguel, na sua cegueira de juventude, viu ali um guardião de uma causa divina. Segui-lhe os passos, farejou-a, quis tornar o sonho de um cego o seu próprio sonho.
Agora que escreve os seus livros (belos e devotos, belos por mostrarem tanta devoção), imagina ser o corpo que descontém o fluxo criativo de Borges. O seu tigre. Enjaulado numa biblioteca. Interminável.

[Sérgio Lavos]

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