10/01/08

Tântalo

Caro Tiago,

a bajulação ainda te leva a algum lado. Atormentado? Eu. Eu próprio. Sabes, é que, neste momento, escrevo. Estou a escrever. Estou escrevendo. Estou a teclar palavras. Tentar que estas palavras transmitam ideias, sensações, emoções. Vou escrevendo. E, lamentavelmente, corro o risco de usar as mesmas palavras que Camilo Castelo Branco usou, de que Eça abusou, as mesmas palavras do Pessoa, do Herberto. Nem por isso escrevo o mesmo que o Camilo, que o Eça, que o Pessoa, que o Herberto. Escrevo o mesmo mas nunca conseguirei escrever o mesmo. Do que eles. Não escreverei o que eles escreveram. Mas estou condenado a lê-los. A relê-los. A percorrer os olhos pelas palavras que eles deixaram, e descobrir, a cada leitura, a evidência de que eles se expressavam na mesma língua do que eu. O meu suplício é superior ao de Tântalo - ele pelo menos conseguia ver aquilo que não poderia alcançar. Eu nem isso - não entendo o mecanismo do génio, a sua origem. Todos os que escreveram antes de mim me perseguem. Leio assombrado por uma maldição de contornos masoquistas. Quero lá saber de tudo o que não li nem lerei! Chega-me o que leio diariamente.
Atormentado, eu?

[Sérgio Lavos]

1 comentário:

Anónimo disse...

Lá estava eu no google procurando informações sobre as FARC. E de repente, entrei no seu blog. Então olhando por cima, acabei nessa postagem. Você escreve muito bem e ainda que isso não soe muito reconfortante, também me sinto assim quando escrevo: perseguida pelo que já foi escrito..rsrs
Sem mais.