Na semana passado, um grupo de feministas protestou em frente à redacção da revista Nouvel Observateur por esta ter publicado uma foto desconhecida de Simone de Beauvoir nua, de costas, mirando-se no espelho. Não reclamo do facto de esta revista ter desfeito a imagem que eu tinha da feminista francesa: uma mulher séria, que seriamente lutou para que as mulheres tivessem os mesmos direitos que os homens. Poderá uma feminista séria deixar-se fotografar em discreta pose sensual, vaidosa e bela? Aparentemente, não. As mulheres que protestaram assim o pensam. Mesmo que a fografia se tivesse mantido secreta durante 50 anos e tivesse sido publicada mais de vinte anos depois da morte de Beauvoir. As mulheres que protestaram pediam fotos do rabo de Jean-Paul Sartre (sempre gostei mais de Jean-Saul Partre), das espaldas de Lévinas, do torso de Albert Camus. Descontando o facto de não perceber por que razão uma mulher inteligente poderá querer olhar para Jean-Paul Sartre nu, aplaudo a iniciativa. A filosofia não pode ser apenas a constituição de um corpo de ideias coerente e sistemático; é preciso mais carne, outro corpo material, nesta disciplina em vias de esquecimento. As inconsistências do pensamento filosófico de Beauvoir são reduzidas ao seu valor mínimo se estiver em causa um sexismo evidente por parte dos editores da Nouvel Observateur. Beauvoir vestida é filósofa? Não sei, mas, pelos vistos, despida passa a ser.
A afirmação da ideia de mulher enquanto conceito cultural, a maior contribuição de Beauvoir para o feminismo (o que vale isto perante a luta das sufragistas, não é?), não pode ser compatível com a maior conquista do feminismo, desde o seu aparecimento: a liberdade sexual da mulher, em qualquer circunstância. Pelo menos, na boca de muitas da seguidoras do pensamento da filósofa. É este o meu maior problema com o feminismo: transformar mulheres sensatas, inteligentes, em puritanas ainda mais puritanas que as mulheres no tempo da rainha Vitória. Mulheres que nunca irão perceber como o pensamento de Camille Paglia é libertador (e libertário) e o de Judith Butler apenas perpetua estereótipos (as chamadas diferenças de género) e justifica a marginalidade de comportamentos sexuais anómalos, que visam imitar e repetir estes estereótipos, contra os quais Simone de Beauvoir lutou.
Longa vida a Simone de Beauvoir, vestida ou despida, na intimidade ou nos livros - e a simetria das duas enumerações é propositada; nada pode ser mais erótico do que uma mulher que pensa. O pensamento como motivo de escândalo. Um pecado.
Longa vida a Simone de Beauvoir, vestida ou despida, na intimidade ou nos livros - e a simetria das duas enumerações é propositada; nada pode ser mais erótico do que uma mulher que pensa. O pensamento como motivo de escândalo. Um pecado.
[Sérgio Lavos]
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