15/01/08

Ainda a crítica (2)

Declaro que eu deixei de gostar de polémicas. Já escrevi sobre isso, não me vou repetir. Não gosto de polémicas porque é difícil convencer quem já está convencido. A discussão não é o melhor meio para a razão; não quando o interlocutor ou não quer ouvir os argumentos do outro ou quer ouvir o que o outro não disse. Não quero entrar em polémicas, porque qualquer bom argumento tem de ser afirmado de uma forma séria. E eu não sou sério. Tenho tendência para achar sempre o lado lúdico de um argumento furioso. Racionalizo a irracionalidade do oponente. E psicanalizo a resposta. Eu sei, quando me dizem algo, o que está por trás do que dizem. E também posso afirmar que nada do que eu digo é racional - tudo existe em função de variantes nada objectivas - o meu crescimento, a formação da minha personalidade. É que a constituição de um gosto não é um processo inocente. Toda a minha vida passa pelos olhos quando escrevo: prefiro a maneira anglo-saxónica de fazer crítica literária ao priapismo crítico português, todo ele forma, herdeiro bastardo de um barroco nunca ultrapassado. O problema é meu, passei os anos de formação a ler autores ingleses e norte-americanos, a tentar esquecer os francesismos que, durante séculos, se foram incrustando na literatura portuguesa. Os maus francesismos, claro, porque os bons ninguém imita (continuam a preferir os delírios poéticos de uma Duras à nova língua inventada por Céline ou Julien Gracq, mas enfim). Não serve de desculpa a má-formação que me foi dada. Mas explica a elegância de achar que nada pode justificar a insistência num ponto que nunca será de acordo, e que, para cúmulo, se funda num equívoco.
Gosto de ver o José Mário Silva a concordar com um amigo. E gosto de ver que estamos os três de acordo: acho Manuel Gusmão um dos melhores poetas aparecidos na última década, admiro os seus ensaios e leio sempre os seus textos para o Ipsilon. A questão não era essa; era saber até que ponto o grupo a que Francisco Frazão gostaria de pertencer não poderia ser alargado a mais gente. O tom ensaístico que Gusmão exibe nas suas recensões é de uma lucidez impressionante (mas, confesso, pouco cativante em termos de estilo, ao contrário, por exemplo, de Joaquim Manuel Magalhães ou António Guerreiro). Mas importa que o leitor menos exigente perceba o que o crítico quer dizer. Utilizar termos que vêm da teoria literária em textos publicados num jornal não me parece ser a melhor forma de cativar leitores para a leitura de textos muitas vezes menos densos que o texto que deles fala. Eu percebo que Manuel Gusmão escreva assim; é esse o seu treino, é essa a sua formação. Mas será o espaço apertado (cada vez mais) de uma recensão de jornal o local certo para fazer análise literária? Dúvidas, confesso, dúvidas, e Francisco Frazão não as elucida ao comparar Pedro Mexia a Manuel Gusmão. Percebe-se à distância que a formação e a intenção de Pedro Mexia, enquanto crítico literário, é oposta à de Manuel Gusmão. Menos exigente? De modo algum, apenas mais claro, menos interessado em utilizar o jargão académico aprendido nos cursos de literatura.
Mas admito que tudo isto seja subjectivo. Como também sei que nenhum potencial futuro leitor se perde na floresta barroca que enfeita a crítica produzida por Manuel Gusmão. Que interesse poderá ter escrever apenas para o salão de medíocres? Eu respondo: todo, cada um é livre de escrever para quem quiser. Mas, por favor, evitem justificar o elitismo com a ignorância dos que não pertencem ao grupo.

[Sérgio Lavos]

2 comentários:

pedro vieira disse...

é curioso o movimento pendular a que estão sujeitos os leitores enquanto fenómeno de massas. por um lado os vendilhões do templo que justificam o lixo que lançam para os escaparates com a fórmula mágica "é o que o público quer ler". por outro temos este comportamento de olimpo dos pequeninos, onde só entram os educados para a densidade e os bafejados pelas almas letradas, sob pena de se "estar a facilitar". eu cá vou pela escrita abastardada com ademanes de fino recorte e o joão bonifácio, rastilho maior desta polémica pratica-a. e ainda bem.

André Moura e Cunha disse...

Ó meu rapaz (Pedro),
É por essas e por outras que visito o teu blogue.
Abraços,
André
PS- e, é claro, também se aplica a ti Sérgio, já o sabes.
Ainda embasbacado com o meu e-mail?