02/09/08

Paisagens (2)

A natureza não precisa de vingança - um simples desejo humano. À natureza basta-lhe que o tempo siga o seu caminho; tudo encontra o seu destino.
Uma casa, outrora solene e autoritária na encosta, isolada das outras casas, é o alimento das plantas que virão. As heras, primeiro, por mão humana, cobrem as paredes e as janelas, trepam até aos algerozes e alcançam as telhas, e quando aí chegam a mão humana sabe que perdeu o poder que sobre elas detinha. Em pouco tempo, a sombra verde esconderá toda a casa, e a ruína não tardará a instalar-se. Por baixo das artérias pulsando de seiva, uma lenta decadência vai enfraquecendo a casa, desde o telhado até aos alicerces. Primeiro o pó, depois a caliça, pedaços cada vez maiores que vão apodrecendo, quem sabe que memória guardam da gente que ali se abrigou. A casa dará de si, mais cedo ou mais tarde, e derrubará com ela a história que em tempos ergueu da terra. As telhas cedem sob o peso da hera, e as silvas, a urze, as giestas encontram o seu caminho. Os espinhos romperão a carne e os ossos, a gravidade submete os alicerces, atraindo ao seu centro primeiro as margens das paredes, depois os orifícios - portas, janelas, esconderijos - e do monte de entulho alastrará a rede que tomará conta da casa.
A natureza retoma o seu lugar, e com ela chegará o sabor das amoras.
O curso das estações, um rio imparável.

[Sérgio Lavos]

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