20/03/07

O Bom Alemão

Não acho que "O Bom Alemão" seja um anacronismo. Para além de o filme ser um exercício de estilo de um cinéfilo, é principalmente um filme pós-moderno, com todas as marcas de uma época em que a recriação e a citação são valorizadas a um expoente máximo. Há outros exemplos no cinema, o mais conhecido é o "Psico" de Gus van Sant. Neste caso, a homenagem a Hitchcock serve-se fria, feita de uma ironia e subversão que, de resto, já não estavam de todo ausentes do original filmado a preto-e-branco. O camp é sempre um objectivo para van Sant - e colorindo a película, o filme chega lá.
"O Bom Alemão", por outro lado, é uma obra que se leva mais a sério. A subversão, para Sodebergh, deve limitar a irrisão que lhe está associada. Quando vemos a cena da partida no final, mimetizando "Casablanca", acreditamos mais na amargura cínica de "O Bom Alemão" do que no romantismo inverosímil do filme de Michael Curtiz. Do mesmo modo, a evocação da Berlim em ruínas não tem a motivação de cariz ideológico de "Alemanha, Ano Zero", de Rossellini. Já pensámos a guerra. Agora tornamo-la cenário de um tempo perdido. O filme de Rossellini meditava sobre a devastação, Soderbergh cita apenas os cenários, vazios de conteúdo histórico mas significativos do ponto de vista estético. O pastiche é assim uma forma de recriar a memória - primeiro, cinéfila, e depois a da realidade em si. Haverá outro modo de tornar a arte útil?

[Sérgio Lavos]

Sem comentários: