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Mas Eastwood. O filme é um clássico instantâneo. A sério. É como a sopa: junta-se água e pronto. Por vezes interessa deixar o pensamento à porta e classificar pavloveanamente as coisas: clássico, e está despachado. A serenidade, a segurança, as citações - John Ford, Kurosawa, vi escrito. Mas... Spielberg, acrescento eu. É bom? Não, não não é. Enquanto via o filme, aquilo que mais me rondou o espírito foi "O Resgate do Soldado Ryan", obra de nenhuma maneira prima, incompleta e imperfeita do melhor realizador de filmes de acção de sempre. "Cartas de Iwo Jima" tem demasiados defeitos para tanto elogio produzido. A montagem - intercalando o huis clos das grutas com a armada americana a caminho - linear e aqui e ali incongruente, não acompanha a tensão dramática de cada sequência. Se Eastwood não gostasse tanto de contar uma boa história (e não tivesse Paul Haggis a trabalhar no argumento), poderia ter realizado uma obra-prima abstracta sobre a guerra - a claustrofobia, o medo, a expectativa. Ah, mas é claro, Terence Mallick já fez isso (e Copolla, em "Apocalypse Now", mas este acaba por ser mais uma meditação sobre o mal do que outra coisa). Mallick já filmou a poética da máquina de guerra em "A Barreira Invisível". O que restava a Eastwood? Criar um filme com uma fotografia radiante, um timing dramático perfeito (apesar do estilo de representação do actores japoneses ser ocidental - longe, longe, do silêncio e da crispação calada e séria de Kurosawa, por exemplo), um panfleto anti-guerra eficaz e relativamente equidistante em relação aos dois lados. Digo "relativamente" porque me parece que continua a existir um preconceito no retrato que é feito do soldado japonês. Aqueles com quem o espectador se identifica agem como um ocidental em guerra - a cena em que um soldado americano é recolhido pelos japoneses é sintomática. Os que se distanciam da empatia com o espectador aproximam-se mais do modelo do soldado japonês tradicional. E claro, a paixão que os dois "heróis" partilham pelo american way of life - a América, mesmo quando se coloca do lado do Outro, não deixa de se celebrar a si própria e aos seus valores.
Um clássico? De Eastwood, prefiro "Imperdoável", "As Pontes de Madison County", mesmo "Mystic River" e "Million Dolar Baby". São quatro - quatro - que bastariam para provar o lugar do realizador na História do cinema. "Cartas de Iwo Jima" é bom, mas não se aproxima sequer de clássicos como "A Barreira Invisível", "Apocalypse Now", "O Caçador", de Michael Cimino, ou, porque não, o filme mais realista (?) jamais feito sobre a guerra: "Les Carabiniers", de Jean-Luc Godard.
Um clássico? De Eastwood, prefiro "Imperdoável", "As Pontes de Madison County", mesmo "Mystic River" e "Million Dolar Baby". São quatro - quatro - que bastariam para provar o lugar do realizador na História do cinema. "Cartas de Iwo Jima" é bom, mas não se aproxima sequer de clássicos como "A Barreira Invisível", "Apocalypse Now", "O Caçador", de Michael Cimino, ou, porque não, o filme mais realista (?) jamais feito sobre a guerra: "Les Carabiniers", de Jean-Luc Godard.
[Sérgio Lavos]
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