A "pequena conversa", tradução literal de "small talk", é um termo que soa mais adequado do que o vulgar "conversa fiada", principalmente se for aplicado, com mais ou menos propriedade, aos esforços titânicos a que, por vezes, nos obrigamos para olear as pesadas correntes da sociabilidade. Ignorar taxistas, exercício agradável, mas de difícil manutenção; é desagradável deparar com a antipatia provável de quem nos conduz como resposta à nossa misantropia teimosa. O pior é que não é um acto de coragem; é consequência de uma timidez paralisante. Todo o mal-educado esconde um terrível segredo: um medo de conversar, falar com estranhos, ou pior, com conhecidos de vista que espoletam imediatamente suores frios e revirares de olhos denunciadores. É que um tipo que seja tímido não consegue escapar; a linguagem corporal, tema de abundante literatura, é implacável. Contorcemos os dedos, reviramos os olhos, desviamos o rosto, mas lá estão eles, meio segundo depois de termos entrado naquele café que nos parecia tão acolhedor. Eles merecem a nossa pena, contudo. É que acaba por ser tão constrangedor para eles como é para nós o contacto imediato. Imagino: a bonomia deve sofrer horrores em presença de um acanhado intratável, de um introvertido disfarçando como pode, com arrogância e cinismo, a sua natureza maligna. Procuramos a saudação certa, em vão; eles debitam o discurso habitual, mas não sabemos como responder: "Então, tudo bem, a família, como vai?" Não sei, não quero saber, não lhe vou perguntar como está a sua família, que me interessa? Tudo bem, até aí vamos, mas daí não pode passar. Cultivar a banalidade não pode ser uma opção. Ou manter-se calado ou agir de modo realmente interessante, como os grandes conversadores o faziam no passado. Porque a timidez, quando não é patológica, reserva para os amigos o melhor que uma personalidade pode oferecer. Tudo se revela, se o ponto certo é tocado. Pode-se compreender o uso de substâncias desbloqueadoras de conversa, aceita-se tudo em nome da conversa. Um bom vinho, acompanhado de um ainda melhor prato, horas pela frente e a despedida a uma confortável distância. Se estamos bem, se tudo corre bem, querem que responda? Quando não somos obrigados a partilhar mais que duas palavras com estranhos ou conhecidos (e mesmo isso é muito), claro! A misantropia é uma bela planta que se deve cultivar com a maior parcimónia do mundo - e os amigos bem nos podem ajudar.
[Sérgio Lavos]
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