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O filme, finalmente. Um suplemento antigo que escapou à razia mensal de reciclagem - por pouco, diga-se - e finalmente o texto sobre o filme. Curioso como aquilo que irrita alguns - os pormenores que evocam directamente a linhagem da nouvelle vague - é o que marca a diferença para outros; no caso, para Luís Miguel Oliveira. A verdade é que a obra não se limita a convocar números de circo em homenagem a Godard e companhia - há personagens com vida lá dentro. Aliás, aquilo que o afasta dos modelos é precisamente isso: os indícios de realidade são mais fortes, a verosimilhança é mais evidente. Apesar das cantorias e dos mimos à maneira do cinema mudo - como acontece em "Les Carabiniers", de Godard, com que, de resto, "Em Paris" partilha mais do que os tiques formais; o tema do amor entre irmãos não é uma coincidência, embora o modo como é tratado por Cristophe Honoré se distancie do tom de fábula do filme de Godard. O filme fala da minha geração, é verdade. Quando Paul (excelente Romain Duris) coloca o disco de Kim Wilde a tocar, regressamos a um tempo em que tudo podia acontecer - a perspectiva que Paul precisa, um novo recomeço. O drama realista coabita de forma harmoniosa com o burlesco charmoso que envolve Jonathan (Louis Garrel) - na sua jornada pela cidade -, amante involuntário das mulheres que vai encontrando pelo caminho. Forçado, fantasioso? Não, se tivermos em conta o precedente da nouvelle vague. O cinema bem que pode prescindir da "suspensão da crença" quando quiser. É isso que o torna cativante. Já nos chega a realidade que continua a existir fora da sala escura. É claro que nada disto resultava se não fossem os diálogos elegantes e a mise-en-scène irrepreensível. O intimismo criado resulta da dinâmica entre estes dois elementos e torna uma obra que podia ser apenas um conjunto de citações mais ou menos óbvias num filme caloroso e tocante.
[Sérgio Lavos]
[Sérgio Lavos]
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