Se "Antes do Amanhecer", de Richard Linklater, passa por ser o grande filme romântico para uma puberdade tardia, facção anos 90, "Johnny Guitar" é o grande filme romântico da idade adulta - esqueça-se "Casablanca" ou "Pontes de Madison County". Defendo o primeiro com unhas e dentes, apesar de todos os defeitos. O pretensiosismo de uma geração ou a simples pretensão de toda a juventude? Estamos longe da educação clássica que resistiu quase até à primeira metade do século XX. No final do século passado, uma "boa educação" obriga a um digest de cultura pop intensivo. Uma ou outra passagem pelos clássicos, claro, mas os modernos, de Rimbaud a Kafka, passando por Virginia Woolf ou a "beat generation". As personagens de Ethan Hawke e Julie Delpy são mais que o ideal nunca alcançado da geração pós-moderna. Têm tanto de realista como de romântico, apesar da conversa sobre sexo - mas, lamentável, com mais conservadorismo que o trio de "Jules e Jim" e sem o dandismo que caracteriza uma época estilizada, a transição do século XIX para o século XX retratada no filme de Truffaut.
Mas a verdadeira transgressão acontece na obra de Nicholas Ray. Vienna (Joan Crawford) é mais do que o símbolo camp que muitos insistem em ver. É uma mulher forte num mundo de homens que deviam ser fortes mas acabam por se revelar fracos. Ema, a sua rival, no amor e no poder, manipula a turba de homens da cidade. Johnny Guitar (Sterling Hayden) é um pistoleiro sem revólver (óbvia referência freudiana), que sabe que apenas pode ser aceite por Vienna se abdicar dos seus impulsos violentos - que o tinham levado em tempos à partida. Um homem, para reconquistar uma mulher, tem de desistir da sua masculinidade agressiva - a dominação inverte os papéis tradicionais dos dois géneros. Nada de leituras alternativas da atitude de Emma (Mercedes McCambridge) e Vienna. A primeira quer apenas aquilo que Vienna já tem - e por isso morre. Vienna quer apenas um homem que a ame. "Nem bom nem mau", apenas alguém que possa amar. Estamos em território longínquo, de fronteira, transgredindo a moral da época e a moral dos filmes da época. Os fogachos de "screwball comedy" são memoráveis. O desejo é um diálogo trocado entre dentes, recorrendo a meias-palavras, desdéns e insinuações a cada frase. Mas Vienna sabe que Johnny é o seu homem - conhece-lhe as manhas, como diz ao preterido Dancin' Kid (Scott Brady) perto do final.
Falo de um western. Isso importa? Não posso deixar de gostar de "Antes do Amanhecer", por razões que pouco têm que ver com a razão. Pensando bem, "Johnny Guitar" não é um filme romântico nem um western. É um ensaio em imagens sobre a relação entre homens e mulheres. Uma bela lição sobre o modo como a mulher exerce o seu ascendente sobre a espécie masculina; o amor é apenas outra palavra para sexo - e não se pense nunca em sexismo ao afirmar isto.
Falo de um western. Isso importa? Não posso deixar de gostar de "Antes do Amanhecer", por razões que pouco têm que ver com a razão. Pensando bem, "Johnny Guitar" não é um filme romântico nem um western. É um ensaio em imagens sobre a relação entre homens e mulheres. Uma bela lição sobre o modo como a mulher exerce o seu ascendente sobre a espécie masculina; o amor é apenas outra palavra para sexo - e não se pense nunca em sexismo ao afirmar isto.
[Sérgio Lavos]
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